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A avalanche da caretice e a dificuldade de fazer Literatura Beat no Brasil


Nasci em 78. Um tempo em que nem ao menos se cogitava a possibilidade de, um dia, ter internet. Era tempo de livros impressos. A gente também não pensava na oportunidade de ler um e-book.  E quando se fazia zine, usava-se o mimeógrafo e ninguém idealizava ter uma impressora, em casa, para imprimir o trabalho. O tempo passou, e hoje, temos a internet. No início foi um desafogo para todo mundo, que se envolvia no lance de escrever no estilo beat. Postar na rede nos deu esperança. Mas essa esperança foi embora.
E foi embora por conta de uma avalanche que nos consome. Sofremos do mal da distopia virtual. Sim, na qualidade de humanos, fomos sequestrados por essa mazela. Ao tempo em que esparramamos cartões fofos e mensagens de ostentação, deixamos de lado a realidade e subimos a nossa cota de antidepressivos e remédios contra ansiedade. É claro, viver na mentira enlouquece qualquer um. E hoje em dia, o estilo beat volta no tempo e assume, como seu canal, a impressora e não a internet. Ao menos para autores que pretendem manterem-se fiéis à raiz do estilo.
Não por nada, independente do gênero que se escreva: todo mundo é fofo e precisa ser descolado. Ou seja, vender um autor beat e carrancudo tornou-se quase impossível, virtualmente. Já imaginou fazer um biquinho e arregalar os olhos para atrair simpatia e confiança, ao invés de usar o arquétipo de um delinquente no momento de comercializar a sua obra? Eu nunca sonhei com uma parada dessas. Já imaginou ver o William Burroughs fazendo cara de fofo para os seus leitores? Eu nunca imaginei.
Parte desta dificuldade, também, pode ser atribuída à invenção da inteligência artificial, que como tecnologia criada pelo homem, demonstra seus preconceitos e caretices no momento de reger suas funções nas plataformas que comanda em relação aos seus usuários. Sim, agora, todo mundo é fofo. É uma espécie de máscara que todo mundo tem de usar. Isso faz parte do jogo. E ao tempo em que todo mundo diz que a inteligência artificial pode até mesmo escrever um livro, a mesma, não consegue ler um autor beat como um profissional que deseja divulgar o próprio trabalho e o classifica como um perfil ameaçador, pois reflete o pensamento de seu criador e na maioria das vezes demonstra o nível de inteligência que nos rodeia e cerceia.
Veja só. De tanto viver na ilusão, ninguém mais consegue separar violência e realidade, mesmo em um mundo literário, como é o caso do autor de estilo beat. Somos uma geração que deseja uma arte sempre fofa e bonita, ao tempo em que transformamos o nosso mundo em um palco violento. Somos assim, fofos na arte e cruéis na realidade. E quando estamos mal, a gente toma um comprimido e entra na sala de bate-papo virtual. Afinal de contas, ler e viver dentro de uma zona de conforto reacionária, imposta pelo sistema, é ser atual e faz parte da distopia. Quem sabe, em breve, teremos mais um gênero literário, algo como beat-virtual, para avisar aos leitores de que a arte só ameaça a ignorância, e que gente fofa, também, sabe morder.

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