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Mostrando postagens de fevereiro, 2021

Eu já vi geada com mais de 3 dedos de altura

Eu faço um fogo grande e rodeado de pedra bem no meio de um campo sem fim Eu venho de um fundão de mundo que pouco guasca conhece e muito taura se obriga a refugar Eu passei uma vida inteira dormindo embaixo do sereno e com a sola do pé encostada na brasa de puro nó de pinho Eu já vi geada com mais de 3 dedos de altura Eu tenho a unha grande e a sola do pé preparada pra pedra e espinho Eu tenho um cachorro companheiro e um cavalo que troteia ligeiro e pisa fino Eu sou filho de meu pampa e me agarro à unha na crina do meu pingo Eu ganho a vida andando de comitiva e morando embaixo de um poncho que veio lá do Uruguai

Lá na curva do rio

Disseram que a onça do ouro subiu Mas eu não sabia E disseram também Que o preço baixo das ações Fazem parte de um composite financeiro interessante para este semestre Com baixo risco de investimento futuro para quem tem assessoria na hora de investir E eu também não sabia Eu fiquei quieto Mas o homem queria que eu falasse Então eu me senti na obrigação de dizer alguma coisa E cheio de vergonha contei que a vida nas 4 bocas é bem mais vagarosa Disse que choveu o dia todo E que peguei uma dúzia de Jundiás com mais de um quilo cada um Lá na curva do rio

O conforto da rocha

O calor e o som da lenha em brasa tomam conta de tudo. Sobre a mesa um livro de mitologia para ser lido ao final do dia. No peito uma sensação terna e equilibrada. Os tímidos raios de sol presentes neste dia tão outonal deixam um quadro bonito para além da vidraça de minha janela e alegram meu âmago. Um punhado de feijão para a refeição seguinte e um caderno recheado de muitas lições anotadas enchem meus olhos. Por entre meus dedos um cigarro de palha e uma xícara de café bem quente enquanto sinal de sorte e esperança abraça meu instante de contemplação. Acomodo o cobertor sobre minhas pernas e respiro fundo ao momento em que sinto meu corpo totalmente relaxado e vejo-me agraciado pelo conforto da lã e o abrigo da rocha. O astral que me rodeia assemelha-se a luz de uma vela acesa por um anjo e percebo que a satisfação é algo imensurável e de responsabilidade individual. A sensação divinal que me envolve clareia minha mente e limpa minha alma. Estou vivo e feliz. E sinto-me como uma for

“Meu filho, a gente precisa aprender antes de falar ou de mandar em qualquer coisa”

O título desta crônica é uma frase exaustivamente repetida pelo meu pai que tem a quarta-série e hoje em dia tem mais de 70 anos. Um homem que estudou pouco, mas que aprendeu a trabalhar desde os seus nove anos. Ele dizia isso quando a gente sentava para tomar um chimarrão bem cevado e conversar. E a gente sempre fazia isso depois do trabalho. Já tínhamos limpado o chiqueiro. Ordenhado as vacas. Tratado todos os animais do sítio. Já tínhamos lidado com a horta. E também já tínhamos terminado um roçado ou a reforma de algum alambrado que mantinha o gado dentro da nossa porteira. E tantas vezes falamos sobre isso depois de fazer a parede de um galpão. Depois de trocar o eixo de algum caminhão entre tantos outros trabalhos. E nesse tempo eu tinha não muito mais do que 10 anos de idade e me dividia entre o aprendizado com meu pai e meu avô caboclo, mas essa história com meu avô fica para outro momento. Meu pai me levava com ele para cima e para baixo e nunca me deixava longe do trabalho qu

O pensamento crítico

Sentimos necessidade de observar o nosso redor e promover uma corrente de pensamento em relação a um determinado aspecto. Este pensamento por excelência deve germinar a partir de duas fontes, uma de conceitos que provém de estudos com base em artigos e livros a respeito do assunto e, a outra com base em nossa experiência particular. Em tese, tal análise deve trazer a luz uma ideia, a qual deve ser exposta e debatida sobre o pretexto de construir a evolução do pensamento e do mundo como um todo. Até aqui tudo bem, porém o que observo é que o pensamento crítico muitas vezes ganha tom de amargura ou comportamento estúpido em uma era de positividade acentuada que produz uma humanidade tremendamente abalada em seu senso mais íntimo — o exercício de pensar — e que confunde indagação com mau-humor ou derrota no momento em que se contestam arbitrariedades vigentes. Outro detalhe importante em minha visão é que ao produzirmos o nosso pensamento não partimos de um ponto de vista em que identific

Falta de privacidade e condicionamento na internet

Esta questão da falta de privacidade imposta por grandes empresas atuantes na internet me incomoda muito. Quando você ativa uma conta o tormento começa. O algoritmo passa o tempo todo sugerindo e questionando e se você não aceita a indução implícita a máquina começa a limitar o alcance de suas publicações. A formatação do conteúdo é uma manipulação descarada e aos poucos vai moldando a todos em um processo silencioso e agressivo psicologicamente enquanto o algoritmo expressa — durante a sua atividade — uma série de valores sociais que se deve banir da comunidade moderna. Os nossos dados são explorados o tempo todo e a liberação do nosso número de telefone para telemarketing é mais um passo que empresas gigantescas tomam como direito. Alguém pode dizer que aceitamos um termo de privacidade — como se fosse possível usar tais plataformas sem consentir um grande número de informações ao gosto e ao prazer das mesmas que são favorecidas pelo monopólio do meio virtual. A partir daqui o tele

Pensando e refletindo

Eu tenho a impressão de que o único caminho é viver isolado. Isso pode parecer um tanto triste. Em certa instância deve ser. Porém, o que identificamos como sendo triste precisa ser transformado em algo melhor. É necessário trilhar outro caminho. E fazer tudo diferente. Inverter o ângulo das coisas. Falando do coletivo, não temos o menor senso de coletividade. Não ligamos para os demais. Somos uma sociedade que se relaciona através de interesses. Ok. O mundo é de trocas. Só que precisamos de muito mais. Temos de dividir a vida com empatia. Criamos fábricas para tudo. Nos tornamos consumistas. Levianos com a natureza. As pessoas estão morrendo de Covid-19 e a esmagadora maioria não age como quem se importa. Não ficamos em casa e tiramos fotos em aglomerações o tempo todo. Que saco! E mais uma vez, vou desenhar a frase: sim, todo mundo tem de trabalhar e todo mundo pode pedir a pizza pela tele-entrega. Enquanto sociedade, desenvolvemos ojeriza em relação aos sistemas socialista e comunis

O outono se aproxima

As noites tornaram-se mais frias e orvalhadas. Os dias têm sol quente e vento audacioso. O ecossistema em que estou inserido denota suaves mudanças. Tudo se acomoda como devido para os tempos vindouros. Corro com meus preparativos e tento acompanhar a natureza. Sei que faço parte do todo. Observo a grande obra e me sinto feliz com tantas recompensas. Agradeço ao universo pela oportunidade de fazer parte e também pela chance de colocar em prática meu labor e meus estudos. Em breve estarei diante do fogo — em pleno inverno — e com a chapa do fogão coberta de pinhão.

Um surf na corrente

Eu quero ver o horizonte lá do alto E sentir o vento em minha face E quando eu estiver mais velho E mais parecido com a águia Vou subir a montanha E viver aonde ninguém vai

Lembranças

Meu neto O frio engasgava as balas E havia gelo e neve por todos os lados As máquinas que eles operavam Eram imensas Eles tinham preparo de combate E a gente tinha a gana e a razão A gente mijava em cima das metralhadoras E não tinha escolha Eles tinham tanques em fila E marchavam em nossa direção Mas quando eles chegavam nas valas A gente detonava a esteira deles E mandava uma granada para dentro do tanque Eu estive lá e posso dizer O sentimento de liberdade e igualdade Ninguém pode vencer E a gente os pegou Um a um

O contato

O serviço começou com o enterro do contato. Quem entregou o dinheiro nunca voltou para casa. E o atirador deu um cuspe em cima da terra que usou para cobrir o corpo. Quem pagou não falou com ele. E quem foi fichado em sua caderneta não sonhou de noite. Uma bala. A cabeça de um lado. E o corpo do outro. Como sempre!

Penso em Sócrates

Acho que existe algo de errado com o nosso sentimento de desconfiança. E quando falo em desconfiança me refiro à dúvida. E tal sensação de dúvida é respectiva ao todo e tem relação com o conceito que formamos a respeito de nós mesmos. Como disse Sócrates, só sei que nada sei. Mas, não! É muita gente sabendo, falando de envergadura intelectual no YouTube e autonomeando-se como filósofo capaz de esgotar questões da mesma maneira que um juiz de direito aplica uma sentença. Fico pensando que no campo filosófico existem os pré-socráticos, os socráticos e os pós-socráticos. Portanto, realmente, tenho convicção de que só sei que nada sei. Não consigo compreender como a ideia de sabedoria e intelectualidade atual consegue germinar sem o benefício da dúvida. Eu poderia ser carcamano e dizer, “leia tudo que Sócrates escreveu”. Muita gente me responderia, “eu li tudo, recomendo”. Só que Sócrates, nunca escreveu nada. Não há nem mesmo um único livro na face desta Terra que tenha sido escrito por e

Desde criança que eu gosto de usar mochila

Passei boa parte de minha vida com uma em minhas costas. Dentro dela, livro, revista, disco de vinil, bodoque, bola de gude, paracord e todo tipo de coisa que se possa imaginar. Depois eu subia em minha bicicleta e me mandava para o meio do mato. Ficava lá, lendo, dormindo, comendo frutas, tomando banho de rio, vivendo. Lembro que quase ninguém gostava de ler e que ninguém gostava de ficar no meio do mato ou trancado no quarto durante um feriadão inteiro. Eu vasculhava de tudo, até filosofia, sociologia, história e principalmente literatura em meio à natureza e ao recolhimento. Colecionava pôsteres. E tinha até uma foto do Raul Seixas que tirei de um jornal local e que colei em um pedaço de madeira para não amassar dentro da mochila. Sim, parecia um baú, ao invés de uma mochila. E relatei tudo isso para dizer que a arte nunca foi algo de gosto popular. Claro que aonde você for, haverá um radinho tocando uma música, alguém usando a camiseta de uma banda enquanto anda pela rua, essas