O título desta crônica é uma frase exaustivamente
repetida pelo meu pai que tem a quarta-série e hoje em dia tem mais de 70 anos.
Um homem que estudou pouco, mas que aprendeu a trabalhar desde os seus nove anos.
Ele dizia isso quando a gente sentava para tomar um chimarrão bem cevado e
conversar. E a gente sempre fazia isso depois do trabalho. Já tínhamos limpado
o chiqueiro. Ordenhado as vacas. Tratado todos os animais do sítio. Já tínhamos
lidado com a horta. E também já tínhamos terminado um roçado ou a reforma de algum
alambrado que mantinha o gado dentro da nossa porteira. E tantas vezes falamos
sobre isso depois de fazer a parede de um galpão. Depois de trocar o eixo de
algum caminhão entre tantos outros trabalhos. E nesse tempo eu tinha não muito
mais do que 10 anos de idade e me dividia entre o aprendizado com meu pai e meu
avô caboclo, mas essa história com meu avô fica para outro momento. Meu pai me
levava com ele para cima e para baixo e nunca me deixava longe do trabalho que ia
fazer. Ele me dizia que queria que eu aprendesse a fazer o máximo de coisas possíveis
para que eu não me apertasse na vida e pudesse me defender deste mundo louco. E
depois de tudo isso, eu ainda tinha o turno da noite. Sim, de manhã eu ia para
a escola, de tarde para o batente e de noite eu tinha de estudar e ler e não
podia reprovar de ano. É importante dizer que aos 16 anos saí de minha casa
para ganhar o mundo e estudar, sim, eu tinha passado no vestibular e me
bandeava para Porto Alegre depois de ter sido aprovado em cinco universidades e
podia escolher em qual delas eu ia estudar porque eu já tinha as minhas
economias e podia me segurar por um tempo fingindo que me alimentava. Em tal
época fui trabalhar de chapa em uma loja de material de construção e de noite
estudava. Eu sabia que tinha de varrer o chão da carroceria do caminhão para
fechar as tampas. Sabia que a areia tinha de ser descarregada com certa
distância do caminhão para não quebrar as tampas e não atolar na areia. Eu sabia
que tinha de ter perseverança e um dia ouvi um homem branco dizendo, o preto, o
preto, enquanto se referia a minha pessoa, porque no entendimento dele quem
descarregava caminhão era preto, e para quem ainda não sabe eu sou branco como leite.
Guardando meus centavos e comendo polenta e polenta, um dia consegui comprar um
quite de jardineiro e fui cortar a grama dos bacanas lá no Jardim Planalto que
ficava na zona norte da capital gaúcha. Em seis meses na universidade eu ganhei
uma bolsa por conta de minhas notas e a oportunidade de trabalhar na editora da
universidade há mais de 20 anos. Sim, uma
escalada fulminante, sem falsa modéstia, principalmente para quem nasceu no
meio do mato e passou uma vida toda ouvindo palavras de desmerecimento que
partiam de uma sociedade que não tem boa vontade para preparar pessoas para a
vida e tampouco para a liderança. Escrevi tudo isso até aqui para dizer que
Bolsonaro, o nosso presidente, é um representante desta ala que acha que quem
descarrega caminhão é preto e que ser preto é desmerecimento assim como é
desmerecimento trabalhar de chapa. Agora eu pergunto, o nosso presidente sabe
alguma coisa? Ele sabe como pegar uma foice na mão? Ele sabe como fazer a
parede de um galpão? Ele sabe bater a primeira marcha de um caminhão da Mercedes
1113 no tope do morro sem quebrar a ponta do eixo? Ele sabe fazer uma revisão ortográfica? Uma edição de obra? Afinal de contas, ele sabe
fazer alguma coisa decente? Pelo que vi até agora ele não é nada do que diz
ser. E todo tipo de defeito preconceituoso que o nosso presidente atribui aos
outros é nada mais do que o seu reflexo e semelhança. Jair Bolsonaro, o representante
legítimo do resultado do saque deste país e do saldo da escravidão é o exemplo
que não se pode seguir e que nunca ouviu de seu pai que a gente precisa
aprender antes de falar ou de mandar em qualquer coisa. Eu sou o fruto do
aprendizado e da equidade. Eu sou o fruto da esquerda do Lula! Bolsonaro não. Ele
não passa de um beneficiado que ganhou o direito de falar e de mandar sem ter
nenhuma habilidade respeitável.
Ando em dois mundos e agora estou distante da mata mais verde que já vi O vento castiga minha face e afaga um varal colorido que tremula Sinto que minha alma revive O cheiro do monóxido de carbono carimba meu pulmão E um pássaro canta no alto de uma árvore Contudo, sem asas, porém, também divino, um mano desconhecido corre o olho pelo trampo Sei que a calçada me abriga desde muito jovem Seja palavra Seja tinta Seja madeira Seja ferro, fogo ou brasa O que mais importa é ser Ser como se nasceu Honesto consigo e o mundo em nossa volta E ao tempo em que me sirvo da situação e anoto, estou em paz comigo mesmo Estou livre Estou participando da mudança Estou em casa Estou na rua Estou esparramando um tanto do que brota em meu coração E olhando o varal e coringando o pano, sei que ando em dois mundos Com os mesmos pés O mesmo espírito A mesma alma E a mesma satisfação de ser