Acho que existe algo de errado com o nosso
sentimento de desconfiança. E quando falo em desconfiança me refiro à dúvida. E
tal sensação de dúvida é respectiva ao todo e tem relação com o conceito que formamos
a respeito de nós mesmos. Como disse Sócrates, só sei que nada sei. Mas, não! É
muita gente sabendo, falando de envergadura intelectual no YouTube e autonomeando-se
como filósofo capaz de esgotar questões da mesma maneira que um juiz de direito
aplica uma sentença. Fico pensando que no campo filosófico existem os
pré-socráticos, os socráticos e os pós-socráticos. Portanto, realmente, tenho
convicção de que só sei que nada sei. Não consigo compreender como a ideia de
sabedoria e intelectualidade atual consegue germinar sem o benefício da dúvida.
Eu poderia ser carcamano e dizer, “leia tudo que Sócrates escreveu”. Muita
gente me responderia, “eu li tudo, recomendo”. Só que Sócrates, nunca escreveu
nada. Não há nem mesmo um único livro na face desta Terra que tenha sido
escrito por ele. Mas, Platão, seu aluno, escreveu a respeito do pensamento
socrático através de diálogos formidáveis. Enfim, a nossa opinião vale muito
para nós mesmos, mas de nada vale ao mundo, enquanto verdade absoluta. E no
mais, é sempre saudável saber que nada sabemos.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...