O calor e o som da lenha em brasa
tomam conta de tudo. Sobre a mesa um livro de mitologia para ser lido ao final
do dia. No peito uma sensação terna e equilibrada. Os tímidos raios de sol presentes
neste dia tão outonal deixam um quadro bonito para além da vidraça de minha
janela e alegram meu âmago. Um punhado de feijão para a refeição seguinte e um
caderno recheado de muitas lições anotadas enchem meus olhos. Por entre meus
dedos um cigarro de palha e uma xícara de café bem quente enquanto sinal de
sorte e esperança abraça meu instante de contemplação. Acomodo o cobertor sobre
minhas pernas e respiro fundo ao momento em que sinto meu corpo totalmente relaxado
e vejo-me agraciado pelo conforto da lã e o abrigo da rocha. O astral que me
rodeia assemelha-se a luz de uma vela acesa por um anjo e percebo que a
satisfação é algo imensurável e de responsabilidade individual. A sensação divinal
que me envolve clareia minha mente e limpa minha alma. Estou vivo e feliz. E sinto-me
como uma formiga experiente que cumpriu seu papel durante o verão e que agora desfruta
da espera pelo inverno sem nenhuma pressa ou aflição.
Ando em dois mundos e agora estou distante da mata mais verde que já vi O vento castiga minha face e afaga um varal colorido que tremula Sinto que minha alma revive O cheiro do monóxido de carbono carimba meu pulmão E um pássaro canta no alto de uma árvore Contudo, sem asas, porém, também divino, um mano desconhecido corre o olho pelo trampo Sei que a calçada me abriga desde muito jovem Seja palavra Seja tinta Seja madeira Seja ferro, fogo ou brasa O que mais importa é ser Ser como se nasceu Honesto consigo e o mundo em nossa volta E ao tempo em que me sirvo da situação e anoto, estou em paz comigo mesmo Estou livre Estou participando da mudança Estou em casa Estou na rua Estou esparramando um tanto do que brota em meu coração E olhando o varal e coringando o pano, sei que ando em dois mundos Com os mesmos pés O mesmo espírito A mesma alma E a mesma satisfação de ser