O calor e o som da lenha em brasa
tomam conta de tudo. Sobre a mesa um livro de mitologia para ser lido ao final
do dia. No peito uma sensação terna e equilibrada. Os tímidos raios de sol presentes
neste dia tão outonal deixam um quadro bonito para além da vidraça de minha
janela e alegram meu âmago. Um punhado de feijão para a refeição seguinte e um
caderno recheado de muitas lições anotadas enchem meus olhos. Por entre meus
dedos um cigarro de palha e uma xícara de café bem quente enquanto sinal de
sorte e esperança abraça meu instante de contemplação. Acomodo o cobertor sobre
minhas pernas e respiro fundo ao momento em que sinto meu corpo totalmente relaxado
e vejo-me agraciado pelo conforto da lã e o abrigo da rocha. O astral que me
rodeia assemelha-se a luz de uma vela acesa por um anjo e percebo que a
satisfação é algo imensurável e de responsabilidade individual. A sensação divinal
que me envolve clareia minha mente e limpa minha alma. Estou vivo e feliz. E sinto-me
como uma formiga experiente que cumpriu seu papel durante o verão e que agora desfruta
da espera pelo inverno sem nenhuma pressa ou aflição.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...