Passei boa parte de minha vida ouvindo que o
melhor modo para usar uma televisão era deixando o aparelho desligado. Ouvia isso
dos que aprendi a admirar. E quando chegou a internet, pensei que finalmente
haveria um oásis. Um lugar para libertar-se e comungar com o saber. De início a
WWW era um canal para tudo que o convencional repudiava. Em miúdos, a televisão
rejeitava o homem sábio e o pensamento livre, enquanto que a internet arrebanhava
a pluralidade. O tempo passou e cá estamos, envoltos em bolhas virtuais e
mais comandados do que nunca. Mais uniformes a cada dia. Até uma nota de
avaliação a gente tem. Uma nota com base em conceitos estabelecidos em
distinções pejorativas, é importante frisar.
Em massa, agimos em busca de conteúdo de
qualidade e de graça. Sim, afinal, pagamos a nossa conta de celular e agora o
mundo deve dar de balde tudo que desejamos. Vivemos a cultura que instrui: não
aceite menos do que você merece. Eu pergunto, temos algo a dar? Pelo visto,
temos a receber. Quer dizer, receber no sentido de ganhar, de escolher, de
avaliar, jamais a palavra receber, tem o sentido de ouvir, pensar, conviver ou
evoluir. E nesse momento a ideia de qualidade desaparece, porque buscamos o que
convém.
Como autômatos, a nossa viagem é sempre a
mesma. E usando o manto sagrado que nos identifica como seguidores de sabe-se lá o quê ou quem, avançamos em direção
ao niilismo e ao narcisismo. E o que nos invade é a busca incessante pelo nosso
reflexo. Sim, em algum momento, estaremos diante de nós mesmos ou de uma
rodinha bem fechada, que a gente chamava antigamente de panelinha. Sim, a
panelinha nos coloca no piloto automático e a partir daí, só o que temos a
fazer é seguir em frente, sem olhar para os lados e nunca questionar. É aquela
coisa que um dia eu ouvi: quando estiver em meio a uma ala, levante a
cabeça e tente olhar ao redor para ter certeza de que você
não é gado e não está em um brete que leva ao matadouro, um lugar especializado
em moer carne de gado, é bom explicar.
A intolerância com o que é diferente, não fica
para trás. Todo mundo é o dono de alguma coisa e reclama o seu poder legítimo
sobre algo. Um prado. Um trono. Um estereótipo. É como se tivéssemos papéis bem definidos dentro de um
tablado cheio de pequenos quadradinhos que divide tudo e todos e coloca o
que fora dividido e classificado dentro de uma caixa catalogada no sistema que
nos agrada e nos define com um grau bem elevado em relação a nós mesmos e bem
raso em relação aos demais. Não é por nada que o autocentrismo é uma linha de
raciocínio voltada para o próprio Eu. Uma postura confortável e amena para
nossas arrogâncias e demagogias cristalizadas em nosso âmago.
Ao fim de tudo, seguimos a vida. Sempre certos
de estarmos livres. Com a confiança de que somos a última bolacha do pacote, usamos a palavra autodidata para nos classificarmos como gênios, enquanto
observamos apáticos a tudo que não nos pertence. E o que não nos pertence, não
serve de nada, pois não está a nossa altura. Como ouvi em uma palestra dias
atrás: a biblioteca é um lugar silencioso porque o ser humano moderno não tem
nada a ouvir e tudo a falar.