Vez ou outra alguém solicita uma
leitura crítica ou mesmo uma orientação estilística para a obra que está
escrevendo. Eu trabalho neste campo tem algum tempo, e presto também serviços
de revisor e editor quando tenho oportunidade. E um aspecto recorrente que
percebo é a preocupação de quem escreve em 2020. É um exagero, o temor que noto
nas pessoas, e isso me deixa a pensar em Rubem Fonseca. Este autor sempre disse
que não podemos ter preconceito com as palavras a menos que estejamos fazendo
um livro para crianças. É uma afirmação importante. Eu acho.
Enquanto sociedade, temos muita
dificuldade em encontrar o equilíbrio. E esta situação reverbera em tudo.
Inclusive em nosso cotidiano. Como somos cheios de desequilíbrios sociais e
vivemos um tempo em que surge, no âmago de muitos, a necessidade de evolução,
estamos ultrapassando a linha que divide a realidade da ficção. Muitos autores
estão entrando em uma gaiola que tem o poder de matar a criatividade e ótimas
histórias também. Eu costumo alertar sobre este tipo de fato enquanto
desempenho o trabalho de avaliação.
Sendo objetivo: estamos com
dificuldade de perceber a realidade. Quando estamos escrevendo uma ficção, não
podemos ter limites. Veja bem, tudo que escrevemos recebe uma orientação que
vai evoluindo até determinados pontos que vão desenrolando o enredo e pontuando
fatos e observações. A ficção parte de algo real e recebe pitadas não reais
durante o desenvolvimento da história para que possamos deixar o texto claro e o
leitor possa entender. Porém, às vezes esquecemos que temos gêneros literários.
Entre tantas funções, esta classificação tem o objetivo de pontuar o contexto.
Conversando com um orientando, ele evidenciou
a sua preocupação com isto. E me dizia que não queria refletir valores
ultrapassados. Então eu perguntei se ele diferenciava a realidade da
necessidade de evolução. Veja bem, como é que vamos contextualizar o texto a
partir do momento em que negamos as informações que colhemos no laboratório? O
laboratório é aquela verificação factual que fizemos para encontrar um ponto de
partida. Não há como escrever o tempo todo sobre fadas, princesas, homens
perfeitos e magos entre tantos outros exemplos que poderia dar aqui.
Sabe aquela preocupação que a gente
aprende desde criança, mas o que os outros vão pensar? Mas o que a minha mãe
vai dizer? Então, eu sempre digo que a gente precisa ser correto no todo. Se a
gente começar a procurar chifre na cabeça de um cavalo, vamos achar. Opinião é
como bunda, todo mundo tem a sua. Só que a nossa opinião não é a verdade só
porque é nossa. Imagine você escrever a história de um assassino e deixar que
os outros coloquem em sua cabeça que você está naturalizando a violência?
A pergunta é: um assassino em série,
que prefere um tipo específico de vítima e que fora identificado durante o
laboratório, tem de ser contextualizado de maneira contrária à realidade? Qual
é o valor do laboratório então? Você matou alguém porque escreve literatura
policial? Existe um inquérito contra você? O pudor, ele nos tira o sono nos
momentos errados. E com o passar do tempo, vamos ler histórias perfeitas e
manuais didáticos. Creio que isso seja fruto de uma padronização falsária que
toma conta de muitos nos dias de hoje. Para resumir, cometemos os piores atos
possíveis contra os demais, e isso ressoa em nosso inconsciente. É preciso
tomar cuidado, há um contexto para tudo. Um exemplo prático, escrever um livro
sobre um assassino não mata ninguém, mas ter votado no Bolsonaro, sim. Esta é a
diferença. É só visitar um hospital e ver com os próprios olhos.