Enquanto andava eu nada desejava além de aproveitar o momento e captar o que acontecia ao meu redor. E quando cheguei à esquina vi dois
motoristas buzinando e trocando gestos chulos como se disputassem um troféu. O
cruzamento vazio e os dois ali perdendo tempo de vida com o que é simplesmente
inútil arrancou-me um sorriso resignado e sincero. Atravessei a rua e pude
ouvir uma cantada de pneus. Logo um deles passou a milhão enquanto
trocava marchas arranhadas e solavancava o veículo por conta do mau uso da
embreagem e aparente nervosismo. Olhei para trás e ainda consegui notar que o
outro se afastava em sentido contrário e mantinha o braço para fora da janela e
fazia um gesto que indicava a palavra “foda-se”.
Assim que inverti a direção do meu campo de
visão achei um cão deitado ao pé de um muro enorme. Ele aproveitava a sombra e
com a boca aberta deixava sua língua pendurada em seu maxilar inferior para
aliviar o próprio calor. E quando me aproximei, ainda com um tanto de
hesitação, percebi que estava calmo e aberto em relação a minha presença.
Agachei-me e fiz um carinho em sua cabeça. Vi em seus olhos que gostou e
parecia que sorria. O afaguei mais um tanto de tempo e me despedi falando que
tinha de seguir meu caminho. E com uma série de dois latidos o danado
mostrou-me que entendeu o que eu disse e ainda entregou-me um sonoro “até mais
ver”.
Acendi um cigarro de palha e cruzei batido
pela avenida. Continuei andando e observando as árvores, os terrenos baldios,
as casas desmoronando, os muros pichados e o mormaço intenso que brotava da rua
de paralelepípedos e subia em direção ao céu e aumentava o tanto de suor que
tinha em minha testa. Peguei minha garrafa de água e tomei um bom gole. E ao
tempo em que caminhava não sentia a menor vontade de parar, queria apenas
seguir por entre ruas aleatórias e observar a vida enquanto vivia.
Passei mais de duas horas no mesmo passo. Lá
pelas tantas me toquei de que estava fora do perímetro urbano. A estrada de
terra era sinuosa e elegante como se fizesse um contorcionismo espetacular e lá
na frente meus olhos localizavam uma árvore imensa. Fiquei vidrado e quando me
dei conta estava diante de um ser majestoso. Abri minha mochila. Tirei uma
canga lá de dentro e a estiquei sobre a grama. Sentei. Tomei mais um gole de
água e peguei meu bloco de anotações. Eu me sentia bem. Então comecei a pensar
sobre o caminho e tudo que vi e me convenci de que passear a esmo é uma arte
que pertence às almas leves e despreocupadas.