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A pessoa e a palavra

Absorvi tudo que pude e com o tempo tornei-me o conjunto das realidades com as quais dialoguei sociologicamente. Sou fruto da soma do que vivi e formei-me em um mundo de contato. Convivi com pessoas das mais diferentes tribos. Portei-me da maneira como aprendi em minha casa, “Saber nunca é demais”. E isso não envolve apenas o conhecimento formal ou acadêmico, mas também o conhecimento que o povo usa em seu cotidiano. Costumo dizer que fui gerado no útero de minha mãe e cresci no mundo como ele é. Aprendi em minha casa que, “Respeitar os outros é muito importante”. E não digo isso como algo que me dê nenhum tipo de superioridade em relação aos demais. Ao contrário, acho que foi justamente a soma de uma grande gama de conceitos e experiências que me fez receptivo.

Acho que a gente precisa ter contato com o mundo do outro para compreendê-lo como devido e sair da superficialidade das análises frias e distantes das realidades. Falo isso porque em minha ótica vivemos em um mundo cheio de gente receptiva e de outras nem tão receptivas assim. Somos uma sociedade abarrotada de conceitos de superioridade e inferioridade que são implantados em nossas mentes por um clima de programação mental e comportamental incisivo. E muita gente passa o tempo todo olhando ao seu redor enquanto tenta se encaixar dentro de um sistema de pirâmide em que se está abaixo de um e acima de outro. É essa estrutura que muitas vezes acaba definindo nosso comportamento em relação aos demais. Costumo dizer que faço parte de um círculo em que aprendi a respeitar a caminhada e o esforço do outro. Afinal, somos todos irmãos e essa estrutura de pirâmide não me representa enquanto ser pensante e atuante.

E embora muitas vezes eu faça arte com gêneros e contextos teoricamente agressivos, não uso tal recurso como arma para alvejar pessoas e tampouco adoto o cinismo como solução. Sou filho do todo e olho para o todo. O meu alvo é o sistema, a ideia e não uma pessoa. Estou disposto a mudar minha ótica e meu comportamento conforme vou aprendendo dentro de minha caminhada evolutiva. Porém, tenho duas máximas em minha vida, a primeira delas, é que o conhecimento é infinito e que sempre se pode chegar mais fundo. A segunda é que todo mundo é igual. A ideia de associar-me a algo ou alguém que me traga status ou qualquer vantagem nunca passou pela minha mente, assim como não me vejo em posição superior aos demais enquanto individuo em relação a qualquer aspecto.

Eu queria trabalhar com arte. E a arte precisa ser usada como espaço para combater tudo que nos mantém a serviço de ideias desumanas e pode cumprir esse papel através de qualquer gênero literário. Nunca desejei a fama. Creio que cada um pode escolher o que é melhor para sua caminhada. Respeito isso. Mas, eu trabalho com arte e não com fama. Creio que o respeito é uma via de mão que é dupla. Ao longo dos anos fui aprendendo a me mover conforme minhas crenças e minha formação sem impor ideias a ninguém e sem cair nesse papo de reconhecimento. Aliás, reconhecimento de quem? Quem reconhece o que ou quem, como e por quê? Conheço a atitude de quem se vê com superioridade em relação aos outros e a de quem se vê como parte do todo. É como disse o Sérgio Vaz em um documentário em que ele fala dos seus projetos que envolvem a periferia e a literatura, “Aqui todo mundo é bem-vindo, mas tem que limpar o pé antes de entrar”. É uma fala que busca respeito para todos em qualquer situação. E antes de tudo assegura que não haja aborrecimentos entre as pessoas enquanto elas partilham suas ideias em forma de arte vivida, pensada, escrita e depois declamada. É poesia discursiva e de igual valor a todos os gêneros e pessoas. Ninguém é melhor do que ninguém quando frequenta o sarau da COOPERIFA e acredito que deve ser assim em todo lugar ou meio.

Acho que a pessoa moderna já passou da hora de assumir a responsabilidade de perguntar quando não compreende o dialeto do outro e de livrar-se do embuste da superioridade, do sentimento de julgamento e do cinismo. O leitor também possui obrigação de ampliar o seu domínio linguístico e social no momento de interpretar textos e contextos como caminhada evolutiva. E quando se fala de arte é preciso entender que embora a arte trabalhe com elementos reais, sociais e conceituais, ela é muito maior do que a verdade ou a ficção porque tem uma ótica que revela o todo e não simplesmente o indivíduo. A arte é a soma da vida com o que é lírico. É preciso ter noção do que é um personagem e do que um personagem representa dentro do contexto de uma obra e de quem é o autor dentro de tal estrutura. É aonde entra a interpretação de texto e de mundo. É como o Mano Brown cantou, “Cada lugar/ Um lugar/ Cada lugar/ Uma lei/ Eu sempre respeitei”. É uma fala em que o cantor observa os contextos nos quais nos inserimos enquanto caminhamos pelo mundo e nos moldamos conforme cada situação e nos comunicamos.

O mundo é um lugar muito grande e o meu contexto nem sempre é o seu e vice-versa. Não há como caminhar sobre a face da Terra e não existir. Não ter uma vivência. Uma experiência ou uma ótica de mundo. A palavra dignifica o homem da mesma forma que o trabalho. Como musicou O Rappa, “A paz sem voz/ Não é paz/ É medo”. E a partir do momento em que existe um lugar, também precisa haver representatividade e respeito. Por fim, é necessário que a gente tenha em mente que transformar a arte do outro em mesquinharia é desrespeitoso a partir do momento em que se desconhece o enredo e o contexto. Gostar de arte ou não pode ser uma realidade de cada um, mas respeitar o trabalho do artista é imprescindível como respeitar qualquer indivíduo. Sei que entre respeitar e ovacionar tem uma distância do mesmo modo que existe um grande caminho entre não consumir e desrespeitar. Contudo, retomo minha postura aqui, eu trabalho com arte e não com fama. A crítica é sempre positiva, mas o desrespeito não é. No mais, a obrigação é de todos.

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