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A vida na lona

O sol era tão quente que eu me sentia dentro de uma panela de pressão e tinha a exata sensação de que o calor cozinhava os meus miolos e o meu corpo por inteiro. Os meus lábios recebiam pequenas doses de sal, todas arrastadas pelo suor que descia da minha testa e isso aumentava consideravelmente a minha sede. A estrada cobrava o seu preço e a cada passo que dava, sentia como se os músculos das minhas pernas se contraíssem iguais a hienas lutando umas contra as outras. E embora ainda houvesse 3 km de caminhada eu já avistava o meu destino ao longe por conta da elevação do terreno. Foi quando decidi sentar embaixo de uma laranjeira nativa que ficava ao pé da nascente para descansar um pouco e pensar. E tão logo bebi o primeiro gole de água o meu cérebro passou a recuperar as minhas sinapses. Era um lugar isolado e cheio de vida em que os pássaros cantavam e um grande número de plantas se esparramava por um longo perímetro. Eu tinha de pensar se valeria a pena o desgaste de continuar a caminhada ou se deveria acampar e descansar até o dia seguinte. Olhei ao redor e senti que a minha mochila parecia mais pesada que o normal e nesse momento eu tive a mais absoluta certeza de que a decisão mais certa era esticar a minha lona e o meu corpo. Estendi uma corda usando duas varetas, coloquei uma lona sobre ela e outra sobre a grama. Deitei-me de maneira em que pudesse avistar o horizonte e naquele instante me peguei a ver como a vida na lona era a única resposta pela qual procurei durante toda uma vida.

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