O sol era tão quente que eu me
sentia dentro de uma panela de pressão e tinha a exata sensação de que o calor
cozinhava os meus miolos e o meu corpo por inteiro. Os meus lábios
recebiam pequenas doses de sal, todas arrastadas pelo suor que descia da minha
testa e isso aumentava consideravelmente a minha sede. A estrada cobrava o seu
preço e a cada passo que dava, sentia como se os músculos das minhas pernas se
contraíssem iguais a hienas lutando umas contra as outras. E embora ainda
houvesse 3 km de caminhada eu já avistava o meu destino ao longe por conta da
elevação do terreno. Foi quando decidi sentar embaixo de uma laranjeira nativa
que ficava ao pé da nascente para descansar um pouco e pensar. E tão logo bebi
o primeiro gole de água o meu cérebro passou a recuperar as minhas sinapses.
Era um lugar isolado e cheio de vida em que os pássaros cantavam e um grande
número de plantas se esparramava por um longo perímetro. Eu tinha de pensar se
valeria a pena o desgaste de continuar a caminhada ou se deveria acampar e
descansar até o dia seguinte. Olhei ao redor e senti que a minha mochila
parecia mais pesada que o normal e nesse momento eu tive a mais absoluta
certeza de que a decisão mais certa era esticar a minha lona e o meu corpo.
Estendi uma corda usando duas varetas, coloquei uma lona sobre ela e outra sobre a
grama. Deitei-me de maneira em que pudesse avistar o horizonte e naquele
instante me peguei a ver como a vida na lona era a única resposta pela qual
procurei durante toda uma vida.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...