O sol era tão quente que eu me
sentia dentro de uma panela de pressão e tinha a exata sensação de que o calor
cozinhava os meus miolos e o meu corpo por inteiro. Os meus lábios
recebiam pequenas doses de sal, todas arrastadas pelo suor que descia da minha
testa e isso aumentava consideravelmente a minha sede. A estrada cobrava o seu
preço e a cada passo que dava, sentia como se os músculos das minhas pernas se
contraíssem iguais a hienas lutando umas contra as outras. E embora ainda
houvesse 3 km de caminhada eu já avistava o meu destino ao longe por conta da
elevação do terreno. Foi quando decidi sentar embaixo de uma laranjeira nativa
que ficava ao pé da nascente para descansar um pouco e pensar. E tão logo bebi
o primeiro gole de água o meu cérebro passou a recuperar as minhas sinapses.
Era um lugar isolado e cheio de vida em que os pássaros cantavam e um grande
número de plantas se esparramava por um longo perímetro. Eu tinha de pensar se
valeria a pena o desgaste de continuar a caminhada ou se deveria acampar e
descansar até o dia seguinte. Olhei ao redor e senti que a minha mochila
parecia mais pesada que o normal e nesse momento eu tive a mais absoluta
certeza de que a decisão mais certa era esticar a minha lona e o meu corpo.
Estendi uma corda usando duas varetas, coloquei uma lona sobre ela e outra sobre a
grama. Deitei-me de maneira em que pudesse avistar o horizonte e naquele
instante me peguei a ver como a vida na lona era a única resposta pela qual
procurei durante toda uma vida.
Ando em dois mundos e agora estou distante da mata mais verde que já vi O vento castiga minha face e afaga um varal colorido que tremula Sinto que minha alma revive O cheiro do monóxido de carbono carimba meu pulmão E um pássaro canta no alto de uma árvore Contudo, sem asas, porém, também divino, um mano desconhecido corre o olho pelo trampo Sei que a calçada me abriga desde muito jovem Seja palavra Seja tinta Seja madeira Seja ferro, fogo ou brasa O que mais importa é ser Ser como se nasceu Honesto consigo e o mundo em nossa volta E ao tempo em que me sirvo da situação e anoto, estou em paz comigo mesmo Estou livre Estou participando da mudança Estou em casa Estou na rua Estou esparramando um tanto do que brota em meu coração E olhando o varal e coringando o pano, sei que ando em dois mundos Com os mesmos pés O mesmo espírito A mesma alma E a mesma satisfação de ser