Pular para o conteúdo principal

Uma pergunta que sempre me tirou o sono e a paz


Passei minha vida lendo, debruçado na escrivaninha, a fazer fichas de leitura, desde garoto, quando frequentava o colégio, ao tempo de imaginar que ler era capaz de proporcionar o bem para as pessoas, algo como, a libertação. Sempre acreditei que se pode prender um corpo, mas nunca uma mente aberta. Contudo, como abrir a mente, sem ler? Essa pergunta sempre me tirou o sono e a paz. Porém, acho que cheguei ao ponto em que não tenho mais como continuar a me preocupar com essa questão. 
Com o passar dos anos, compreendi que não podemos combater ideologias massificadas, com ingenuidade. Cresci em um tempo em que escrever era coisa para combater o sistema. Havia um ponto em comum para alvejar. Queríamos transcender. Nossa mente era trabalhada desde cedo para extravasar os limites, para destronar o poder. Mas, isso mudou. Não conseguimos, enquanto sociedade, ultrapassar a barreira da massificação. E, atualmente, a desejamos com um fervor que em minha ótica nunca fora tão forte.
Tivemos um período em que a TV, o rádio e os jornais eram os meios usados para narcotizar a nossa cabeça quando se analisava essa questão enquanto mídia. Lutamos desesperadamente, normalmente, na rua. Espalhávamos zines, fazíamos pequenos eventos em garagens e botecos. Conversávamos nas praças, nos bares, ao pé do fogão movido com lenha. Havia uma espécie de proximidade que nos submetia ao mínimo de esforço. Queríamos uma chance, uma arma em mãos que pudesse safar a nossa comunidade. Mas, isso mudou, hoje em dia, queremos apenas salvar a nós mesmos. Obviamente, existe exceção para tudo. Contudo, até mesmo a exceção, praticamente, extinguiu-se.
Sou de um tempo em que se trabalhava a cabeça, o coração. Hoje em dia, se trabalha o “eu”, com uma força descomunal. É fácil observar que temos um álibi tão forte quanto um escudo: trata-se do nosso senso de símio. A nossa sociedade decidiu-se por consumir sem freio, onde cada indivíduo luta com selvageria e sem sentimentalismo com o objetivo de provar-se, individualmente, superior a tudo e todos em tempo integral, tal qual fora um dia, na savana. Cultivamos, inclusive, uma amizade, com base no distanciamento. Enfiamos a cabeça e o coração, se é que ainda o temos, dentro de um celular. Nossa mente funciona limitadamente, com base num copiar e colar frenético. Num toque na tela, sem nem ao menos ler. O que queremos não diz respeito ao libertar da mente, ao companheirismo, e sim, em relação ao nosso objetivo: supremacia a todo custo.
Passamos o dia enfiando pedidos aos demais. Normalmente, transformamos nossas amizades em uma caixa registradora que fatura uma conta alta sem medo e sem exceção. Somos uma nota de cem. Um positivo. Um trampolim ou algo que o valha. Os outros nos são apenas uma tábua de salvação. Tratamos a todos, como se um ser humano fosse descartável e não tivesse sentimento algum. Somos secos, inábeis para ler e compreender. E, mais, abdicamos de qualquer esforço, afinal, uma foto de sushi ou qualquer coisa do tipo, nos torna onipotentes, mesmo sem um livro em mãos. Bem no fundo, a grande maioria criou uma firma para si, e tem uma multidão de funcionários, sem valor algum.
Acho que é hora de abandonar o condicionamento virtual e voltarmos para as fichas de leitura, para o bem-comum. Enfim, é hora de fazer um esforço, mas principalmente, não é o momento de perder tempo, oferecendo algo para quem não quer.

Postagens mais visitadas deste blog

Território fértil e livre

O artista que expõe seu trampo na rua tem um retorno enorme. Nos últimos 90 dias fiz um estudo no qual comparei a resposta que tive empregando esforço na internet com o que consegui expondo nas praças. A ideia de fazer tal pesquisa surgiu a partir de um papo com colegas e amigos – um debate muito antigo, recorrente e maçante. Inclusive, me comprometi de apresentar dados e tenho fotos para comprovar minhas constatações. Então, esta semana, cheguei ao veredito. E é claro que o retorno da rua superou o que fora realizado através de postagens. Principalmente quando se compara a medida de esforço para realizar cada um deles em relação ao engajamento, palavra da moda. E, conforme combinado, ontem, concretizei minha despedida on-line. Este era o trato. Se a internet superasse a rua, assumi o compromisso de cessar com o mangueio e vice-versa. É importante registrar, que me propus a realizar tal trabalho porque queria saber outro dado: qual é a disposição do artista para sair a campo com se

Acordo todo dia no mesmo mundo cão

Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v

Existe um desespero evidente

Chamar atenção é a cultura do momento. Muita gente se perde enquanto tenta angariar popularidade. Antigamente, costumava escrever histórias em canais de comunicação em que o texto e a reflexão não eram a prioridade. Levei um certo tempo para alcançar que estava deslocado e aceitar que frequentava o espaço errado. E durante muitos dias de minha vida fiquei sem entender algumas reações em minha volta. Embora formado em comunicação social sempre achei que os textos e os contextos eram autoexplicativos. Porém, me enganei. E quando me dei conta disso comecei a pensar em todos os dados que tinha enquanto editor de livros. Lá pelas tantas tive de dar o braço a torcer e entendi que não temos 5% de pessoas capazes de identificar o que é ficção e o que é realidade. Claro que um país que lê tão pouco não está preparado para debater e entender muita coisa. Contudo, a partir do momento em que parti para publicações manuais e passei a veicular minhas obras no meu tapetão de andarilho tudo mudou. Fiq