Pular para o conteúdo principal

Uma biografia para o Tody


Quando Tody não aguentava mais, saía pela rua sem qualquer plano. Pegava sua faca, atocaiava-se e, simplesmente, esperava pela sorte.
Ele sentia dores de cabeça aguda e palpitações coronárias. E tudo que ele queria era alívio para sua cachola e seu peito. Um dia para que sua cabeça não doesse. Para que seu coração não palpitasse em disparada. E o único jeito de conseguir tal proeza era através de sua faca.
Tody esfaqueava suas vítimas sempre na segunda costela porque sabia da eficiência do golpe que perfurava órgãos de importância vital. Ele era terrível e orgulhava-se de nunca ter perdido um golpe.
Ele era a sensação da ala mais perigosa da Penitenciária de Culp. Uma gaiola de segurança máxima. Sempre rodeado de ouvintes, ele contava detalhes de sua carreira como matador.
Tody era doido. E eu que trabalhava como carcereiro e que passava horas e horas de meu dia ouvindo forçosamente seus relatos resolvi anotar suas histórias. Até porque, o único modo de Tody conversar com seus colegas era falando alto para que o som de suas palavras chegasse a todo canto de sua ala.
Era triste de ouvir. Espinhoso de compreender. E difícil de anotar nos autos do turno. Então, sem alternativa para meu martírio, transformei a voz de Tody em um livro. E neste contexto, a vida tornou-se produtiva. Tody contava. Seus colegas de cadeia ouviam. Enquanto eu, pacientemente, anotava.
Contudo, Tody não tinha sossego há mais de uma década. E estava condenado a sentir dores de cabeça e palpitações continuamente. Afinal de contas, em seu quadrado, Tody só tinha uma saída: recordar e aguentar o seu merecido castigo.

Postagens mais visitadas deste blog

Acordo todo dia no mesmo mundo cão

Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...

Existe um desespero evidente

Chamar atenção é a cultura do momento. Muita gente se perde enquanto tenta angariar popularidade. Antigamente, costumava escrever histórias em canais de comunicação em que o texto e a reflexão não eram a prioridade. Levei um certo tempo para alcançar que estava deslocado e aceitar que frequentava o espaço errado. E durante muitos dias de minha vida fiquei sem entender algumas reações em minha volta. Embora formado em comunicação social sempre achei que os textos e os contextos eram autoexplicativos. Porém, me enganei. E quando me dei conta disso comecei a pensar em todos os dados que tinha enquanto editor de livros. Lá pelas tantas tive de dar o braço a torcer e entendi que não temos 5% de pessoas capazes de identificar o que é ficção e o que é realidade. Claro que um país que lê tão pouco não está preparado para debater e entender muita coisa. Contudo, a partir do momento em que parti para publicações manuais e passei a veicular minhas obras no meu tapetão de andarilho tudo mudou. Fiq...

Conversando

“A vida é uma dança de pensamentos em que não se pode perder saliva”. Esta foi uma colocação que ouvi de um amigo com quem conversava sobre a arte de soltar o copo. Não sei se faço a melhor abordagem para o assunto, mas na falta de outra melhor, tentarei usar esta mesma para embasar meu raciocínio. O papo é sobre convencimento, ou melhor, sobre o erro de querer convencer alguém sobre um determinado ponto de vista. E justifico minha análise porque tenho ouvido muita gente inteligente comentando que é impossível debater uma ideia com alguém que não está disposto a entendê-la. Sem muito mais a dizer sobre, creio que devemos dialogar com nosso interior antes de tentar conversar com o exterior. Até porquê a revolução é individual e de responsabilidade pessoal e intransferível. Por fim, acho que não é emocionalmente inteligente desgastar-se com situações tóxicas. O melhor é deixar que o teatro da vida se cumpra conforme as escolhas de cada indivíduo.