“Alguns, nunca
enlouquecem, que vida de merda, eles devem ter”, foi o que escreveu Charles
Bukowski. Essa frase me salvou. Quando eu a li, pela primeira vez, eu era
criança, estava entrevado das pernas há meses, por conta de uma febre reumática
que tive. Eu pensei: “esse cara, me referindo ao autor, tem algo diferente
dentro dele, é essa força que quero ter”. Ele me salvou de uma vez por todas.
Meus professores iam até
minha casa e me aplicavam as provas. Meus colegas me emprestavam os cadernos
pra que eu copiasse a matéria. Eu tinha livros pra ler. Canetas para anotar. Tive
um médico. Eu fui ajudado. E também me ajudei.
Quando fiquei em pé de
novo, eu tinha 10 anos de idade, estava tapado de pelos brancos ao redor de
minha face, por conta do tratamento. Senti que um arrepio percorreu minha
espinha e beijou minha nuca. Eu pensei, “nada vai me derrubar, vou ajudar o
máximo de pessoas que puder, mas nunca vou colocar em minhas mãos a felicidade
alheia, porque sei que essa é uma responsabilidade individual”.
Eu nunca raspei minha
barba. Queria mostrar a todos que não sou o que me aconteceu, mas sim, o que
escolhi. Eu tive tempo de jogar muita bola na rua. Vendi picolé. Tomei banho de
rio. Perdi o cabaço. Arranjei um emprego. E nunca acordei de cara fechada pra
vida. Sempre me ocupei dela como quem caminhava sozinho e me sentia bem com
isso. Era a liberdade. Algo que aprendi a amar mais do que tudo. Não a entrego
por nada.
Cresci lendo, pensando em
transcender a vida. Entendi que quem não tira o peso do seu semblante nem ao
menos quando chega o fim de semana, está perdido na própria tempestade. Mas eu
tive sorte. A arte me permitia jogar futebol com meus amigos, mesmo quando
entrevado. Eu podia escrever. Furar o horizonte. Fazer o que quisesse, eu não
tinha limite. Fui herói, fui bandido, fui bêbado, fui matador, fui policial,
fui agricultor, fui cineasta, fui alpinista, eu tive mil vidas. E ainda bem que
ainda posso tê-las. Como eu disse, não entrego a minha liberdade por nada.
Não quero patrão. Não quero
carteira assinada. Não quero enriquecer. Não quero ser fodão. Mas quero fazer
arte enquanto eu puder. E faço arte aonde posso fazer. Não insisto em guerras
que não posso vencer. Tampouco, abandono minha vida porque escolho o campo de
batalha. Acordo com satisfação, todos os dias. Vendo meu húmus, faço meu corre
literário, transformo problemas em tarefas e sou feliz o tempo todo. Já apanhei
bastante da vida, já li Bukowski e não tenho tempo pra perder. A vida é boa
demais pra isso.