Choveu durante toda noite. Ao longe, alguns
pássaros cantam (a mata fica diferente em dias assim). O eremita sabe que, em
breve, haverá migração em busca de terras mais quentes e um período solar
diário um tanto mais longo. E assim como os pássaros e as formigas e toda vida
da floresta, ele também está preparando-se para todas estas mudanças que estão
a caminho por conta da nova estação e dedica seu dia a fazer compotas de
frutas, vegetais, peixes e uma série de alimentos. Durante os próximos meses
terá de manter-se enclausurado na rocha a maior parte do tempo. Precisa ter
certeza de que haverá alimento suficiente para tal período. O volume de lenha
seca bem ao alcance de sua mão deve bastar para toda temporada. A natureza é um
ecossistema complexo e perfeito. Enquanto mãe, ela provê a todos que aprenderam
a seguir seu curso e podem aproveitar tudo de bom e de melhor que só ela pode repartir.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...