Quando o Dick foi trancado naquele
quarto, conseguíamos ouvir seus gritos. Ninguém podia fazer nada por ele. O sequestrador
carregava uma marreta em suas mãos. Não sabíamos ao certo o que acontecia. O fato
é que estamos presos aqui há dias. Acho que é uma fábrica abandonada. Somos quatro
pessoas e todos estamos baleados em uma de nossas pernas. Não temos noção de
quanto tempo ficaremos vivos. Tento ajudar aos demais, mas não sei como. Já não
tenho mais esperanças em voltar para casa e ver minha família. Então escrevo
esta carta de despedida, talvez, a polícia ou alguém descubra o nosso paradeiro
um dia e compreenda o que aconteceu com a gente.
Ando em dois mundos e agora estou distante da mata mais verde que já vi O vento castiga minha face e afaga um varal colorido que tremula Sinto que minha alma revive O cheiro do monóxido de carbono carimba meu pulmão E um pássaro canta no alto de uma árvore Contudo, sem asas, porém, também divino, um mano desconhecido corre o olho pelo trampo Sei que a calçada me abriga desde muito jovem Seja palavra Seja tinta Seja madeira Seja ferro, fogo ou brasa O que mais importa é ser Ser como se nasceu Honesto consigo e o mundo em nossa volta E ao tempo em que me sirvo da situação e anoto, estou em paz comigo mesmo Estou livre Estou participando da mudança Estou em casa Estou na rua Estou esparramando um tanto do que brota em meu coração E olhando o varal e coringando o pano, sei que ando em dois mundos Com os mesmos pés O mesmo espírito A mesma alma E a mesma satisfação de ser