Quando o Dick foi trancado naquele
quarto, conseguíamos ouvir seus gritos. Ninguém podia fazer nada por ele. O sequestrador
carregava uma marreta em suas mãos. Não sabíamos ao certo o que acontecia. O fato
é que estamos presos aqui há dias. Acho que é uma fábrica abandonada. Somos quatro
pessoas e todos estamos baleados em uma de nossas pernas. Não temos noção de
quanto tempo ficaremos vivos. Tento ajudar aos demais, mas não sei como. Já não
tenho mais esperanças em voltar para casa e ver minha família. Então escrevo
esta carta de despedida, talvez, a polícia ou alguém descubra o nosso paradeiro
um dia e compreenda o que aconteceu com a gente.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...