Sou um sujeito deslocado no mundo
atual. Sou do tempo em que a gente ia até a casa dos amigos para falar com
eles. Passei pela revolução do telefone em um tempo em que a gente ligava para
falar com quem gostávamos. Depois chegaram os celulares e as mensagens de texto
e era comum enviar algo do tipo, “como vai?”. As coisas foram mudando e
chegamos ao ápice da tecnologia em que se pode comunicar facilmente com
qualquer um através de várias formas. Porém, hoje em dia, não temos mais uma
relação direta, estamos na era dos “contatos”. Quando penso um pouco sobre isso
me dou conta de que no século XXI a vida do outro não tem valor e tal conceito se reafirma na
pandemia de Covid-19. É bem verdade que tudo isso começou muito tempo atrás. Enfim,
vejo a chegada do futuro e assisto ao crescimento da indiferença. Até por que,
hoje em dia, quem fala sozinho não precisa ir ao psicólogo. A sociedade do
cansaço é real. Não por nada, eu falo sobre interação e o mundo pensa em
autoestima.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...