Há tempo que não tinha uma tarde
assim. Não ouço barulho algum. Sinto como se o silêncio houvesse tomado conta
de tudo e todos. Nem mesmo os pássaros cantam. O sol está tímido. O vento
também não ressoa. Não sei o que pensar a respeito deste momento. Não sei ao
certo qual é a razão para um dia tão pacífico. Será um dia de tristeza? Um dia
de preguiça? Talvez, um dia de reflexão coletiva? Não sei. Realmente não sei. O
fato é que estou escrevendo um pouco. Aproveitando este instante para calejar a
ponta de meus dedos. Sinto conforto em meu coração. Minha alma está regenerada.
É como se alcançasse um estado de equilíbrio muito próximo do nirvana. Tenho tentado
viver com esperança e sabedoria. Aos poucos fui conseguindo lidar com o caos em
minha volta. E, hoje, percebo este silêncio como parte de minha caminhada. E,
particularmente falando, o interpreto como sendo a colheita de um plantio árduo
que venho fazendo. Sinto que, aos poucos, estou salvando-me da loucura, da dor,
do aborrecimento e de todas as mazelas que um mundo doido, como este, possa
colocar sobre os ombros de uma pessoa. Sinto-me completo. Sereno. E pronto para
viver feliz pelo resto de meus dias.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...