No horizonte, vejo uma barra azul feita de chuva grande e insistente. Faz outono em pleno verão. Sinto o vento
gelado. Fecho a janela basculante. Sirvo um pouco de pinga. E me sento na
poltrona ao lado da pia em minha cozinha. Bebo um gole da malvada e percebo que
meu peito aquece. Tomo em minhas mãos O acrobata pede desculpas e cai – do
fabuloso Fausto Wolff. É um livro que releio seguidamente. Fausto faz parte de
meu cardápio literário costumeiro e nem sei quantas vezes já reli sua obra. Vou
direto ao capítulo 29. Tenho a impressão de que revigoro minha alma ao passar
meus olhos por tais linhas nada estranhas. É sempre bom reafirmar os próprios
votos diante de um mundo insano. Ouço a chuva que bate no telhado de zinco. Está
mais forte. Parece uma bateria lascando rock and roll. Realmente, a chuva não
vai embora. E no mais, agradeço ao Velho Lobo por tudo e por todo sempre.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...