No horizonte, vejo uma barra azul feita de chuva grande e insistente. Faz outono em pleno verão. Sinto o vento
gelado. Fecho a janela basculante. Sirvo um pouco de pinga. E me sento na
poltrona ao lado da pia em minha cozinha. Bebo um gole da malvada e percebo que
meu peito aquece. Tomo em minhas mãos O acrobata pede desculpas e cai – do
fabuloso Fausto Wolff. É um livro que releio seguidamente. Fausto faz parte de
meu cardápio literário costumeiro e nem sei quantas vezes já reli sua obra. Vou
direto ao capítulo 29. Tenho a impressão de que revigoro minha alma ao passar
meus olhos por tais linhas nada estranhas. É sempre bom reafirmar os próprios
votos diante de um mundo insano. Ouço a chuva que bate no telhado de zinco. Está
mais forte. Parece uma bateria lascando rock and roll. Realmente, a chuva não
vai embora. E no mais, agradeço ao Velho Lobo por tudo e por todo sempre.
Ando em dois mundos e agora estou distante da mata mais verde que já vi O vento castiga minha face e afaga um varal colorido que tremula Sinto que minha alma revive O cheiro do monóxido de carbono carimba meu pulmão E um pássaro canta no alto de uma árvore Contudo, sem asas, porém, também divino, um mano desconhecido corre o olho pelo trampo Sei que a calçada me abriga desde muito jovem Seja palavra Seja tinta Seja madeira Seja ferro, fogo ou brasa O que mais importa é ser Ser como se nasceu Honesto consigo e o mundo em nossa volta E ao tempo em que me sirvo da situação e anoto, estou em paz comigo mesmo Estou livre Estou participando da mudança Estou em casa Estou na rua Estou esparramando um tanto do que brota em meu coração E olhando o varal e coringando o pano, sei que ando em dois mundos Com os mesmos pés O mesmo espírito A mesma alma E a mesma satisfação de ser