Fumo um palheiro feito com palha de
milho e tabaco orgânicos, que ganhei de presente de um amigo, em companhia de
um bom chá de ora-pro-nóbis, também orgânica, que cultivo aqui em casa mesmo.
E, ao tempo em que provo estes sabores, escrevo esta crônica. Pretendo falar a
respeito deste instante, com a mais absoluta sinceridade. E o que posso dizer:
é que observo a chuva mansa, através da basculante, e me sinto bem. Estou
envolto de prazeres e me pego a pensar sobre a vida. Não sei o que o leitor
pensa, mas acho que se pode encontrar um momento de paz e satisfação, neste
mundo louco, ao tempo em que se cultiva simplicidade. A vida é simples e árdua.
Acho que é aqui que está o segredo de tudo, na simplicidade do labor, do
cotidiano e de seus sabores. Tenho encontrado satisfação, em meus dias, com
base nas pequenas coisas. No sabor de ler. De fumar. De experimentar um chá. De
editar. De escrever uma crônica ou mesmo de revisar um texto. De filtrar um
adubo estonteante. Esta é a soma sagrada que me fortalece. Penso que sou o
somatório do que sinto ao viver meu dia e atribuo minha paz e minha satisfação
ao modo como me relaciono com meus instantes. Sinto que o céu de minha boca
está recheado de essências que gosto e que me trazem bons fluídos. Eu me sinto
leve e acredito que sou um sujeito fácil de contentar. E, por fim, tenho a
impressão de que, talvez, vagando em busca de um pouco, encontrei tudo que vale
a pena nesta vida.
Ando em dois mundos e agora estou distante da mata mais verde que já vi O vento castiga minha face e afaga um varal colorido que tremula Sinto que minha alma revive O cheiro do monóxido de carbono carimba meu pulmão E um pássaro canta no alto de uma árvore Contudo, sem asas, porém, também divino, um mano desconhecido corre o olho pelo trampo Sei que a calçada me abriga desde muito jovem Seja palavra Seja tinta Seja madeira Seja ferro, fogo ou brasa O que mais importa é ser Ser como se nasceu Honesto consigo e o mundo em nossa volta E ao tempo em que me sirvo da situação e anoto, estou em paz comigo mesmo Estou livre Estou participando da mudança Estou em casa Estou na rua Estou esparramando um tanto do que brota em meu coração E olhando o varal e coringando o pano, sei que ando em dois mundos Com os mesmos pés O mesmo espírito A mesma alma E a mesma satisfação de ser