Pular para o conteúdo principal

Na margem do rio

Estava de folga. Já havia molhado a horta e revisado um tanto de páginas. Estava com boa parte do meu dia disponível. Deitei na rede e fiquei olhando para a estrada de terra e não via nada. Nem redemoinho passava — como se diz. O calor era grande. Então me mandei para a ponte. O rio é largo e fundo e não tem pedras ou galhadas embaixo da água. O lugar é bem limpo e bonito. Entrei devagar. Dei uma boa tateada para ter certeza de que não havia perigo. Então dei a primeira bicuda. Senti que a água estava morna. Não tinha correnteza e um punhado de pássaros cantava lá na copa das árvores em meio à mata.

Lá pelas tantas, ouvi alguém gritando, lá do outro lado da margem: “tá nadando igual peixe”.

Era o Tininho. Agradeci o elogio e respondi: “já que a gente não pode nadar junto, por conta da pandemia, eu fico com uma margem do rio e você com a outra”.

Ele fez um sinal de positivo e disse: “quando tudo isso passar vamos voltar aqui e fazer um campeonato de bicudas”.

Deixei um sorriso no ar que a mais de 50 metros de distância não dava para ver e gritei: “vamos sim. Já estou treinando”.

Sentei no barranco e fiquei olhando para o Tininho. Uma ótima pessoa. Um cara legal que produz o melhor mel que já experimentei. É famoso aqui nas redondezas. Eu e ele nos conhecemos desde os tempos de guri e passamos boa parte de nossas vidas dando bicudas nas águas da ponte. Fiquei contente por vê-lo, mesmo que de longe. Por que o Tininho é um tipo de cara que a gente não pode perder.

Postagens mais visitadas deste blog

Acordo todo dia no mesmo mundo cão

Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...

Existe um desespero evidente

Chamar atenção é a cultura do momento. Muita gente se perde enquanto tenta angariar popularidade. Antigamente, costumava escrever histórias em canais de comunicação em que o texto e a reflexão não eram a prioridade. Levei um certo tempo para alcançar que estava deslocado e aceitar que frequentava o espaço errado. E durante muitos dias de minha vida fiquei sem entender algumas reações em minha volta. Embora formado em comunicação social sempre achei que os textos e os contextos eram autoexplicativos. Porém, me enganei. E quando me dei conta disso comecei a pensar em todos os dados que tinha enquanto editor de livros. Lá pelas tantas tive de dar o braço a torcer e entendi que não temos 5% de pessoas capazes de identificar o que é ficção e o que é realidade. Claro que um país que lê tão pouco não está preparado para debater e entender muita coisa. Contudo, a partir do momento em que parti para publicações manuais e passei a veicular minhas obras no meu tapetão de andarilho tudo mudou. Fiq...

Conversando

“A vida é uma dança de pensamentos em que não se pode perder saliva”. Esta foi uma colocação que ouvi de um amigo com quem conversava sobre a arte de soltar o copo. Não sei se faço a melhor abordagem para o assunto, mas na falta de outra melhor, tentarei usar esta mesma para embasar meu raciocínio. O papo é sobre convencimento, ou melhor, sobre o erro de querer convencer alguém sobre um determinado ponto de vista. E justifico minha análise porque tenho ouvido muita gente inteligente comentando que é impossível debater uma ideia com alguém que não está disposto a entendê-la. Sem muito mais a dizer sobre, creio que devemos dialogar com nosso interior antes de tentar conversar com o exterior. Até porquê a revolução é individual e de responsabilidade pessoal e intransferível. Por fim, acho que não é emocionalmente inteligente desgastar-se com situações tóxicas. O melhor é deixar que o teatro da vida se cumpra conforme as escolhas de cada indivíduo.