Aqui no Sul a temperatura beira zero
grau. É mês de maio ainda, mas o termômetro está mostrando que não vai esquentar
tão cedo. Estou enrolado em meu poncho. Passei a madrugada cuidando das
minhocas e das plantas. Elas também precisam de calor nesta época do ano.
Mantê-las vivas e sadias é essencial para meus objetivos. Estou trabalhando em
uma Pitangueira que pretendo transformá-la em bonsai. Ando tentando me manter
com a cabeça e meu corpo ocupados e focados em meus projetos. É um tempo
pesado. Esta demora na vacinação e essa “campanha” feita pelo governo contra as
medidas de prevenção são a prova de que não se pode confiar em mudanças
comportamentais em grande escala e curto prazo. O jeito é labutar com a gente
mesmo e tentar evoluir. Também ando evitando debater sobre assuntos insanos
porque uma mente embasada na lógica como a minha não tem mais condições de
aturar delírios. É chegado um tempo em que não pretendo convencer ninguém a
respeito de nada. Escrever é uma atividade que tem me ajudado bastante. Acho
que a literatura é a âncora que me mantém forte. Ando isolado de convívio e não
tenho expectativa de me vacinar contra a Covid-19 ainda neste ano. Em todo caso,
farei tudo que puder para me manter longe dessa doença cruel que já ceifou a
vida de tanta gente. Espero que esta crônica não tenha um tom mais pesado do
que gostaria. Contudo, já é tempo de aprendermos a conviver com a nossa
realidade. Sei que ainda tenho vários dias pela frente e também sei que terei
de lidar com muitas situações difíceis. O Brasil atual é uma caixa de surpresas
ruins. E mesmo sabendo de todas as dificuldades ainda confio que tenho chance
de me tornar um ser humano melhor. Aprendi muito nos últimos tempos. Há dias
que me afastei das redes sociais e isso foi muito positivo para um sujeito como
eu. Sinto como se estivesse em um período de desintoxicação. Acho que entender
como economizar energia vital é um ponto crucial para um futuro melhor e mais
achegado com a natureza e a leveza. Não sei como cada qual deve agir para
superar esta temporada, mas estou redescobrindo meu caminho e isso já me parece
suficiente para o agora.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...