Dia de sol e céu azul como há muito não
via. Ponho-me diante do ecossistema e observo seu funcionamento. Nada pode
pará-lo. Tudo acontece quando e como tem de acontecer. É a força divina e
universal que se apresenta enquanto energia que precede o milagre. Envolto de
livros, plantas e utensílios, mantenho-me atento a tudo para não perder
nenhuma anotação. Os detalhes são reveladores. Creio que tenha encontrado uma
resposta profunda e significativa para que possa concentrar-me no feitio da
grande obra ao momento em que procuro a mais profunda iluminação. Sinto-me
livre e ao mesmo tempo protegido em meu refúgio e plenamente satisfeito. O que
em algum instante soou como loucura tornou-se um projeto centrado e assertivo. Nada sobra e nada falta, tudo se complementa. Posso dizer, sem sombra
de dúvida, que nada supera a força natural que rege tudo que se pode ver, ouvir
ou sentir neste mundo. Entre tantas lições: perceber-me na qualidade de
instrumento e não como força motriz é algo valioso que carregarei em meu âmago
por toda vida.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...