Acordei cedo. Era o dia de tomar a
primeira dose da OXFORD contra a Covid-19. Um dos dias mais esperados há mais
de um ano. Achei que tal data não chegaria. Já não tinha mais esperanças de me
vacinar em 2021. Mas, felizmente, consegui. Creio que posso considerar esta data
como uma das mais importantes de minha vida. Saí de casa sentindo um monte de
coisas. Sentindo que havia esperança no ar. Andando pela rua deserta, tinha de
me controlar para não começar a correr, tamanha a ansiedade em chegar ao local
da vacinação. Uma distância de 3 km. Em 30 minutos de
caminhada, cheguei ao local. A fila já tinha três quarteirões. Plantei-me ali e
olhei para o céu, “obrigado”, pensei, enquanto agradecia ao cosmo. Esperei
um bom tempo até chegar minha vez. Foi muito tranquilo. Não senti a picada. Eu
me sentia tão feliz, mas tão feliz, que minha vontade era gritar. Enquanto passava pelas pessoas na fila de
vacinação percebia que me olhavam. Acho que pensavam algo. Não sei o que
exatamente. Eu sorria, com meu rosto coberto pela máscara, eu sorria. Senti que
meus olhos estavam marejados. Mas, segurei as lágrimas. Enquanto caminhava pela
rua, sentia como se houvesse tirado uma tonelada de minhas costas. Em 30
minutos estava de volta. Sentei em minha poltrona e pensei, “em 23 de setembro
faço a segunda dose”. Não senti nenhuma reação adversa. E me sinto mais forte
para seguir meu caminho, pois tenho a mais absoluta certeza de que todo esforço
até aqui valeu a pena. A vida não tem preço. E a esperança, também não tem.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...