Acordou e sentou-se na cama.
Tomou um gole de água. A temperatura era fria por demais e voltou para debaixo
dos cobertores. Abriu a gaveta do criado-mudo ao lado da cama e começou a
anotar. Teve um sonho bonito e não queria perder a ideia. Sentia-se invadido
por um sentimento extremamente terno. Em seu sonho, lembrava-se de um círculo
amarelo e muito luminoso. Um círculo do qual emergia uma voz serena e
encantadora. Foi quando uma escada rodeada de arbustos materializou-se diante
de seus olhos. Laus ouvia um chamado e quando se deu conta subia os degraus.
Rapidamente chegou a um patamar elevado diante de uma torre imensa. Tão alta
que ultrapassava as nuvens. Feita inteiramente de enormes blocos de pedra, sua
fundação ultrapassava qualquer medida que houvesse visto durante toda sua vida.
Embora a ausência de porta, sentia que deveria entrar na torre. Ao menos era a sensação
que decodificava através da sua intuição. Mas, como?, pensava. No mesmo
instante, um elevador de aço reluzente e suspenso por uma imensa corrente tocou
a base da torre. Enquanto subia, podia ver ao longe e ficou maravilhado com a
beleza do que via. As montanhas, os vales, as planícies e as florestas
compunham um cenário indescritível. O elevador parou diante de uma imensa porta
feita em aço de uma excelente fundição. E, tão logo entrou, maravilhou-se ainda
mais. Via estantes de livros por toda parte. A mobília feita em madeira forte e
rústica emanava um contraste estonteante entre plantas e vidrarias de todo
tipo. Entre tantas surpresas, identificou uma lareira gigantesca, um ambiente
muito acolhedor. Ao olhar para as prateleiras que acomodavam os livros,
percebeu que as seções eram nomeadas com palavras que indicavam sentimentos.
Amor, raiva, empatia, solidariedade, gula, avareza, sobriedade entre tantas
outras. Sentia como se absorvesse todo o saber disponível com extrema
velocidade e facilidade. Em seu âmago, a sensação era de mudança. Como se
estivesse aprendendo tudo de novo. Sentia-se pleno, calmo, humano. Em sua
lembrança, tinha a nítida ideia de que se tornara outra pessoa, alguém mais
evoluído, como se tudo que habitasse seu interior houvesse sofrido uma mutação
incrível. Munido de paz, Laus acomodou-se novamente em sua cama, gradeceu ao
universo pela experiência e dormiu profundamente. E, quando acordou, percebeu
que estava pronto para viver com muito mais sabedoria e humanidade, pois o
conhecimento com que teve contato continuava latente em sua mente. Suas
avaliações ganharam um tom mais complexo e assertivo. E, quando fechava seus
olhos, podia ouvir os batimentos cardíacos de qualquer um que se aproximasse.
Laus, finalmente, sentia-se um sábio.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...