O inverno deste ano é um dos mais
gelados nos últimos tempos. A temperatura mantém-se constantemente abaixo de
zero. As geadas estão cada vez maiores e não se pode deixar apagar o fogo dia e
noite. O jeito é ficar embrenhado na rocha. A sensação térmica lá fora é mais
do que congelante e certamente tem o poder de adoecer qualquer um que não
esteja usando um poncho de pura de lã e um gorro tão quente quanto. Não espero
temperaturas amenas antes do final de setembro. Sinto-me tranquilo diante de
tal situação porque vivo como uma formiga há muitos anos. Aproveito o verão e
mantenho-me durante o inverno. Viver com menos é uma lição que aprendi ainda
criança. Foi o modo como consegui equilíbrio. Concentrei meus esforços durante
muitas luas para a criação de um ecossistema sustentável com a finalidade de
organizar a vida com mais calma durante as épocas mais frias do ano e destinei
muitas horas de leituras e experimentações até conseguir desenvolver um modelo
favorável diante de situações assim. O que me deixa satisfeito é saber que ando
conseguindo manter minha produção de maneira contínua e sem desperdícios.
Quando chegar a primavera haverá uma boa quantidade de extrato disponível. A
ogiva está crescendo e a safra me parece satisfatória. Investi muito trabalho
para montar a infraestrutura que disponho e não posso deixar de mencionar que a
Alquimia me trouxe até aqui. Trabalhei meu âmago e minha estrutura laboratorial
igualmente e consegui adequar uma fórmula. Entre tantas adaptações aprofundei-me
na área de manipulação de essências para viabilizar meu projeto e no momento me
vejo diante da paciência que prevê um futuro mais sereno e luminoso.
Ando em dois mundos e agora estou distante da mata mais verde que já vi O vento castiga minha face e afaga um varal colorido que tremula Sinto que minha alma revive O cheiro do monóxido de carbono carimba meu pulmão E um pássaro canta no alto de uma árvore Contudo, sem asas, porém, também divino, um mano desconhecido corre o olho pelo trampo Sei que a calçada me abriga desde muito jovem Seja palavra Seja tinta Seja madeira Seja ferro, fogo ou brasa O que mais importa é ser Ser como se nasceu Honesto consigo e o mundo em nossa volta E ao tempo em que me sirvo da situação e anoto, estou em paz comigo mesmo Estou livre Estou participando da mudança Estou em casa Estou na rua Estou esparramando um tanto do que brota em meu coração E olhando o varal e coringando o pano, sei que ando em dois mundos Com os mesmos pés O mesmo espírito A mesma alma E a mesma satisfação de ser