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A ciência da marreta

Eu me lembro do meu primeiro dia na obra.

Coloquei o macacão da firma e me apresentei.

Via em minha frente, um homem enorme, ele tinha uma raquete de 40 cm de palmo, a contar de dedo a dedo.

“bom dia”, falei.

“tem que derrubar essa coluna, porque aqui, só é preciso uma e têm duas; vou explicar como deve usar a marreta”, disse.

“não precisa, é só bater até despedaçar”, respondi.

“acha que a coluna é de tijolo maciço ou furado?”, perguntou.

“acho que é maciço”, falei.

Ele me olhou nos olhos e não disse mais nada.

Comecei a bater com toda a força que tinha, contudo, por mais que eu colocasse ânimo na merda da marreta, não conseguia arrancar, nem mesmo um pedacinho dela; passei quase um turno inteiro numa pancadaria federal e nada.

Perto do meio-dia, o homem da raquete, o cara que não usava uniforme, o mão-pesada, chegou pra ver o meu serviço.

“e então, descobriu do que é feita essa coluna?”, falou.

“não sei”, respondi, eu tive de admitir.

“é de concreto e ainda tem aço aí dentro; vai comer a tua marmita, mas de tarde, faça assim”, disse, e depois pegou a marreta e distribuiu quatro pancadas secas, bem compassadas e com a mesma força, uma em cada quina, na base da coluna, e na mesma hora, eu vi quatro lascas de concreto em minha frente.

Em seguida, cortou a base do vergalhão e depois completou, “a marreta, também tem uma ciência, guarda isso em tua mente, porque, com certeza, vai fazer diferença pra ti; o que o povo faz, guri, tem muito valor, só que ninguém fala sobre isso”.


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