Pular para o conteúdo principal

A ciência da marreta

Eu me lembro do meu primeiro dia na obra.

Coloquei o macacão da firma e me apresentei.

Via em minha frente, um homem enorme, ele tinha uma raquete de 40 cm de palmo, a contar de dedo a dedo.

“bom dia”, falei.

“tem que derrubar essa coluna, porque aqui, só é preciso uma e têm duas; vou explicar como deve usar a marreta”, disse.

“não precisa, é só bater até despedaçar”, respondi.

“acha que a coluna é de tijolo maciço ou furado?”, perguntou.

“acho que é maciço”, falei.

Ele me olhou nos olhos e não disse mais nada.

Comecei a bater com toda a força que tinha, contudo, por mais que eu colocasse ânimo na merda da marreta, não conseguia arrancar, nem mesmo um pedacinho dela; passei quase um turno inteiro numa pancadaria federal e nada.

Perto do meio-dia, o homem da raquete, o cara que não usava uniforme, o mão-pesada, chegou pra ver o meu serviço.

“e então, descobriu do que é feita essa coluna?”, falou.

“não sei”, respondi, eu tive de admitir.

“é de concreto e ainda tem aço aí dentro; vai comer a tua marmita, mas de tarde, faça assim”, disse, e depois pegou a marreta e distribuiu quatro pancadas secas, bem compassadas e com a mesma força, uma em cada quina, na base da coluna, e na mesma hora, eu vi quatro lascas de concreto em minha frente.

Em seguida, cortou a base do vergalhão e depois completou, “a marreta, também tem uma ciência, guarda isso em tua mente, porque, com certeza, vai fazer diferença pra ti; o que o povo faz, guri, tem muito valor, só que ninguém fala sobre isso”.


Postagens mais visitadas deste blog

Acordo todo dia no mesmo mundo cão

Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...
"Se não mudamos as nossas atitudes não podemos mudar o que acontece."

A arte me parece um jeito de resistir ao lado do conhecimento

Ler como quem procura janelas abertas para arejar o ambiente mental e físico. Creio que a filosofia da busca pelo equilíbrio enobrece as anotações. Vejo as plantas crescendo. A madeira sendo coberta pelo traço do pirógrafo e a tinta. A lenha queima na lareira ao tempo em que a rocha torna-se um baluarte encantador e próspero. É como se o segredo pudesse preservar o futuro e o sossego.