O sol estava quente e o vento soprava com força. Tragava um careta e pensava em escrever. Sabia que tinha de fazer a lida antes de poder sentar e anotar alguma coisa. Em minha volta, transeuntes e carros disputavam a lateral da rua. Enquanto isso tentava recolher a matéria orgânica com o máximo de cuidado. Queria encher a sacola de rafia até a boca e me livrar de espinhos, aranhas, escorpiões e cobras. Lá pelas tantas, vi que algo se moveu em meio aos galhos. Dei um passo para trás. Traguei fundo e não tirei os olhos do lugar em que vi o movimento. Peguei o facão, que carrego para destrinchar as galhadas, e quando a Cruzeiro colocou a cabeça para fora das folhas, prendi com a ponta do facão. Com cuidado, eu a peguei por trás da sua cabeça. Não sabia o que fazer com ela. Na dúvida a coloquei dentro de uma saca e amarrei para que não me fizesse nenhuma surpresa. Tomei o rumo de uma estrada de terra. Andei até bem longe do perímetro urbano e a deixei em um capão de mato. Ela também é um ser vivo e não posso dizer que é mais perigosa do que eu para justificar sua morte. Zarpei e quando cheguei em casa dei conta de guardar a matéria orgânica e de comer para os cães. Assim que cheguei à cozinha fui cego até a geladeira, servi um trago e tratei de registrar o acontecido. Afinal de contas, não é todo dia que se encontra uma criatura tão bonita.
Ando em dois mundos e agora estou distante da mata mais verde que já vi O vento castiga minha face e afaga um varal colorido que tremula Sinto que minha alma revive O cheiro do monóxido de carbono carimba meu pulmão E um pássaro canta no alto de uma árvore Contudo, sem asas, porém, também divino, um mano desconhecido corre o olho pelo trampo Sei que a calçada me abriga desde muito jovem Seja palavra Seja tinta Seja madeira Seja ferro, fogo ou brasa O que mais importa é ser Ser como se nasceu Honesto consigo e o mundo em nossa volta E ao tempo em que me sirvo da situação e anoto, estou em paz comigo mesmo Estou livre Estou participando da mudança Estou em casa Estou na rua Estou esparramando um tanto do que brota em meu coração E olhando o varal e coringando o pano, sei que ando em dois mundos Com os mesmos pés O mesmo espírito A mesma alma E a mesma satisfação de ser