O sol estava quente e o vento soprava com força. Tragava um careta e pensava em escrever. Sabia que tinha de fazer a lida antes de poder sentar e anotar alguma coisa. Em minha volta, transeuntes e carros disputavam a lateral da rua. Enquanto isso tentava recolher a matéria orgânica com o máximo de cuidado. Queria encher a sacola de rafia até a boca e me livrar de espinhos, aranhas, escorpiões e cobras. Lá pelas tantas, vi que algo se moveu em meio aos galhos. Dei um passo para trás. Traguei fundo e não tirei os olhos do lugar em que vi o movimento. Peguei o facão, que carrego para destrinchar as galhadas, e quando a Cruzeiro colocou a cabeça para fora das folhas, prendi com a ponta do facão. Com cuidado, eu a peguei por trás da sua cabeça. Não sabia o que fazer com ela. Na dúvida a coloquei dentro de uma saca e amarrei para que não me fizesse nenhuma surpresa. Tomei o rumo de uma estrada de terra. Andei até bem longe do perímetro urbano e a deixei em um capão de mato. Ela também é um ser vivo e não posso dizer que é mais perigosa do que eu para justificar sua morte. Zarpei e quando cheguei em casa dei conta de guardar a matéria orgânica e de comer para os cães. Assim que cheguei à cozinha fui cego até a geladeira, servi um trago e tratei de registrar o acontecido. Afinal de contas, não é todo dia que se encontra uma criatura tão bonita.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...