Sempre que o vejo tenho a oportunidade de
aprender. Hoje, bem cedo, conversamos a uma boa distância por
conta da pandemia. Havia um espaço de uns 3m entre a gente e duas máscaras em
nossos rostos. Embora tenha recebido a primeira dose da vacina e o amigo esteja
imunizado ainda seguimos as medidas apontadas pela OMS. E o que me chamou
atenção no encontro de hoje foi que falamos a respeito do silêncio. Seu Nique
me contava que a maioria dos intelectualizados falam pouco, pensam muito, leem
mais ainda e anotam tudo, mas raramente expõem suas reflexões em todo e
qualquer lugar.
Com seu jeito meigo e sereno seu Nique me
esclareceu dizendo que o conhecimento ou mesmo a troca de ideias são algo que os
interessados buscam e que ficar semeando qualquer um destes dois ao sabor do vento
pode trazer aborrecimentos. Ele, também, enfatizou que um ambiente hermético é
sempre muito mais interessante para um momento de sabedoria e civilidade. Um
dos argumentos que usou para sustentar suas colocações foi o distanciamento que
temos da leitura e outro foi que na visão dele estamos perdendo a capacidade de
interpretar a palavra escrita justamente porque não temos o hábito de ler.
Concordei com ele e já escrevi muito sobre o
assunto. E como bem disse o seu Nique, podemos escolher. Em nossa conversa
ficou explicito que a escrita, em tais condições, acaba perdendo seu caráter
literário. Afinal de contas, a literatura é algo muito mais substancial. A
literatura também é um trabalho. Segundo ele, quem define quando e em que meio
vai publicar sua arte e suas ideias é o autor. De acordo com seu raciocínio, o criador
em muitos momentos banaliza a própria arte porque se deixa levar pela emoção da
criação e no impulso compartilha seu conteúdo em meios e situações
desfavoráveis.
Este erro eu já cometi muitas vezes. E tenho
de ter a humildade de reconhecer que levei 40 anos para aprender. Vivo um tempo
de aprendizado, em que o autocuidado ganhou espaço em minha vida e o silêncio
foi ressignificado. Em parte, devo isso ao seu Nique. Há tempos que conversamos
a respeito disso. E tenho de dizer que foi dele a ideia de transformar nosso
encontro e nossa conversa em literatura. Brincou comigo dizendo que era a
chance de celebrar nossa amizade e nossa capacidade de debate civilizado.
Também quero dizer que o seu Nique é um dos
responsáveis pelo meu interesse em alquimia. Sempre ouvi de sua boca que os
conhecimentos são complementares, como se tudo fosse unido através de um cordão
de algodão que conecta um saber ao outro e fornece um conceito maior e amável a
respeito de tudo depois de uma boa dose de afinco. Tenho de dizer que meu empenho
na alquimia despertou em meu âmago uma vontade de mudar a vida que levava. Eu
não me sentia feliz. Era como se nessa época o meu âmago houvesse sido invadido
por um vazio enorme. Sentia que a arte não tinha valor para a maioria das
pessoas e que tudo se baseava em status e exposição.
Atualmente, escrevo bastante sobre alquimia e
coloco muito do meu cotidiano em meus textos. Contudo, o real e o imaginário
são como dois anéis de corrente que precisam se unir para a compilação de uma
boa história em meu modo de ver e isso me parece indivisível e atemporal a
qualquer um que se arrisque a escrever. Sendo honesto, sempre acreditei que a
literatura precisa nutrir no leitor um tom de crônica. Acho que a arte se molda
aos sentimentos de quem a absorve e o que vive em meu âmago não é exatamente o
que ressoa em quem lê. Parafraseando Bukowski: o autor não deve nada ao leitor
porque já ofereceu a ele a sua alma no texto que escreveu.
Creio que o silêncio enquanto objeto de
avaliação complementa nossa vida. O seu Nique sempre me diz que para fazer uma
boa literatura é necessário ouvir o âmago e tampar a boca e os ouvidos em um
primeiro momento e só depois é que o todo precisa ser considerado para que a
nossa avaliação seja fundamentada como alternativa para que o leitor se acomode
dentro da obra e escolha qual papel o representa assertivamente. Acho que a
magia de ler reside aqui: escolher entre o homem de bem e o personagem e viver
a história como nos agrada. Confesso que o estilo apimentado dos beats e dos
malditos fizeram minha cabeça. Lembro que ainda no início de minha juventude
fui sequestrado pelo hábito de ler, pensar e escrever. Em tal época eu tinha
uma criação de codornas e escrevia em qualquer instante que pudesse. Eu me
sentia livre. Era essa liberdade e esta paz interior que senti a necessidade de
resgatar. E compreendi isso, quando me aprofundei na alquimia.
A ideia de colocar um minhocário e desenvolver
um trabalho laboratorial acoplado ao ecossistema me proporcionou tornar-me alguém
independente do status quo e com maior poder de escolha na linha editorial. Eu
me sinto completo de novo. E consigo perceber que meu âmago está sereno como
quem dorme sem peso na consciência. Talvez, isto soe como algo egoísta. Porém,
é preciso certo grau de compromisso consigo mesmo para podermos repartir o
melhor que temos com os demais. Consigo identificar em meu eu-lírico algo revigorado,
como se alcançasse transformar meu estilo autoral em algo mais perto de minha
consciência. Eu me sinto eu de novo. Alguém que não teme a deus e tampouco ao
diabo.
Claro que é preciso compreender que é
impossível cultivar silêncio a partir do momento em que existe veiculação da
obra. E tal entendimento é muito importante. Porém, creio que seja de bom tom
observar que a literatura não emerge de banalidades e sim dos dramas. E, quando
falo em drama, não me refiro ao ato de falar por falar. Contudo, a partir do
momento em que a democratização da internet deu voz a todos também deu
microfone para a exposição de tudo e de todos. Entretanto, não creio que exista
um modo adequado para cultivar a habilidade de ler e escrever na ausência do
silêncio.
A partir de tal momento, isolar-me foi uma
medida protetiva para a arte de ler e escrever. Pois, se o nosso índice de
leitura é tão baixo como as pesquisas apontam não se pode dizer que todo lugar
e momento são adequados ao debate e à literatura. Por isso elogio os blogs.
Estes, em meu entendimento são o último espaço para que escritores e pensadores
possam se refugiar na internet. Todavia, discute-se muito que é necessária uma
grande exposição ao público para alavancar interessados no conteúdo produzido. É
quando tudo se mistura e a seriedade ou a banalização se confundem enquanto se
procura uma agulha no palheiro e se compartilha tudo com todos em qualquer
lugar.
A pergunta é: se o blog é o espaço adequado
para escrever, por que oferecer literatura em outra plataforma? Acho que aqui
reside a sabedoria. Sim, pois a partir do momento em que a literatura é semeada
ao todo, a mesma se torna à deriva em meio a uma porção de gente que não tem
interesse em ler ou escrever. É bom dizer que o gosto pela leitura e a escrita só
podem ser cultivados dentro de casa ou nos anos iniciais do banco escolar, pois
plataformas de internet não tem interesse primordial em promover leitores ou
escritores, mas sim, vender produtos e comunicação imediata entre os seus
usuários. E, dentro de minha ótica, é por isso que o ambiente hermético acaba
sendo uma alternativa interessante aos que desejam ler e escrever e exercitar
sua compreensão do todo.
Um detalhe interessante que seu Nique comentou
foi que se não há embasamento suficiente para a interpretação de contextos e de
realidades não há espaço para a palavra. É o mesmo que tentar repartir um
guarda-chuva com quem está dentro de um carro em dia de tempestade e permanece
protegido das forças naturais momentâneas. Tal aspecto surgiu dentro de nosso
debate como sendo um estado de ilusão. Sim, pois a palavra tomada é nada mais
que mais do mesmo e se a literatura e o conhecimento requerem uma interação
consciente e robusta não há razão para sonhar que o dito atento a mais do mesmo
tem alguma relação com tais aspectos, pois o desejo latente da massa de acordo
com o baixo índice de leitura e habilidade textual já nos fornece entendimento
suficiente para que não sejamos tolos em acreditar no contrário.
Outra questão importante atualmente é o
comportamento de matilha. O único detalhe é que no decorrer do processo surge o
narciso do ego que procura o reflexo de si mesmo. Algo impossível de encontrar.
É necessário dizer que a Terra não é plana, sob nenhuma hipótese. E, também, é
muito importante sinalizar que a arte não é um manual didático, embora exista
uma categoria para tais obras. Assim, é preciso desenvolver o entendimento de que
a literatura não busca o certo ou errado como a pedagogia, pois seu objetivo é contar
uma boa história dentro de um gênero literário específico que devia ser
identificado pelo leitor. O meio não define a obra, apenas a veicula. Um detalhe
respeitável é que didática e literatura são duas áreas distintas e um
personagem escroque não pode ser desenvolvido como sendo um homem de boas
atitudes só porque a pedagogia deseja educar a massa. Afinal, personagens são
móveis, mocinhos e bandidos. Contudo, a escrita é um recurso para ambas às
partes, pois não há como construir um livro sem a escrita e um laboratório, seja
ele didático ou não, assim como não se faz uma casa sem a madeira ou o tijolo.
Mas, como resolver este problema ou mesmo educar o homem dentro da internet em tal sentido? Não há como, ao menos é a conclusão em que eu e seu Nique chegamos depois de um bom tempo de conversa. Pois, como alquimistas, acreditamos que a vida seja o reflexo de nossas próprias aspirações. E, para buscar, é necessário despertar. Temos olhos para ver, ouvidos para ouvir, uma mente para pensar e um coração para sentir. Contudo, nada supera a vontade que cada um de nós carrega em seu interior enquanto percorre o caminho que escolheu. A vida é feita com arestas de luz e de sombra, mas só oferece paz e sabedoria aos que se sentem à vontade em bibliotecas públicas. Um dos locais mais herméticos que já conheci.