Viver em um mundo controlado por
robôs é um saco. Não tem nada pior do que a falta de privacidade e a companhia
incessante de um perfilador. Ao menos em minha ótica. Tenho 43 anos e escrevo
desde criança. E sempre aprendi com escritores mais renomados do que eu que
escrever ficção não tem compromisso com verdades ou mentiras. Fui treinado para
escrever com toda força que tenho em meu âmago. A literatura para mim não é
limitante. Ao contrário, é libertadora. Acho que a pessoa que vive presa em uma
coleira acaba enlouquecendo. E quando comecei a escrever eu me amarrei na
possibilidade de romper com a realidade. Com o certo e o errado. Sou um homem
honesto. Sou trabalhador. Sou ético. Mas, quando eu escrevo, não tenho
compromisso com o homem que me habita e, tampouco com os robôs que me cercam,
pois no momento de escrever, sou fiel à literatura e nada mais.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...