O menino acordou e viu o carro
capotado. Estava em chamas. Olhava para os lados e não via ninguém. Nem seu pai
e nem sua mãe que estavam com ele. O fogo era tão alto que Miguel não podia se
aproximar do local do acidente. Olhava na direção da rodovia e não via nem
mesmo um automóvel na pista. O dia era frio. E, logo, começou a chover. Mas,
ele não se afastou do veículo até ver o final do fogo. Quando se aproximou,
constatou que era o único sobrevivente. Miguel, não sabia o que poderia ou
deveria fazer. Então, embrenhou-se na mata. Ficou um dia. Dois. Três. As semanas
passaram. Os meses passaram. Os anos passaram. E, Miguel, aprendeu a viver em
meio à floresta. Sentia-se parte da natureza e embora sentisse muita falta de
seus pais, não nutria a menor vontade de integrar-se novamente à vida
civilizada. Com paciência e dedicação, construiu um abrigo quente, seco e
forte. Aprendeu a viver do que a mãe terra lhe dava e sentia-se bem adaptado ao
mundo natural. Miguel sabia que havia perdido muito, mas, também, sabia que não
havia nada melhor para buscar ou ver para além da floresta que aprendeu a amar.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...