Observei o alvo durante uma semana.
Saber esperar é uma grande virtude. Eu fumava um palheiro e mantinha o rifle em
posição para que pudesse acompanhar a situação de perto. A distância que tinha
era de 682 m. Lá pelas tantas, o encomendado apareceu. O vento estava como
devia. E avaliando a distância e todos os elementos possíveis, sabia que o
momento era favorável. Respirei fundo e não me apressei. Notei que havia
movimento nos fundos da casa. Não demorou e a caminhonete saiu lotada de gente.
Por garantia, observei, com muita atenção, o semblante de cada um dos que
estavam no veículo. O confiado estava sozinho. Fiquei ali, contando os
instantes. E, quando o instinto me disse que era chegada a hora, firmei a mira
bem no meio do pescoço. Na altura do gogó, como se diz. Foi um tiro certeiro. No
compasso de meu coração. A cabeça de um lado, o corpo do outro, como sempre.
Guardei o rifle na encilha e montei. Em pouco mais de duas horas estava sumido,
feito um fiapo de fumaça.
Ando em dois mundos e agora estou distante da mata mais verde que já vi O vento castiga minha face e afaga um varal colorido que tremula Sinto que minha alma revive O cheiro do monóxido de carbono carimba meu pulmão E um pássaro canta no alto de uma árvore Contudo, sem asas, porém, também divino, um mano desconhecido corre o olho pelo trampo Sei que a calçada me abriga desde muito jovem Seja palavra Seja tinta Seja madeira Seja ferro, fogo ou brasa O que mais importa é ser Ser como se nasceu Honesto consigo e o mundo em nossa volta E ao tempo em que me sirvo da situação e anoto, estou em paz comigo mesmo Estou livre Estou participando da mudança Estou em casa Estou na rua Estou esparramando um tanto do que brota em meu coração E olhando o varal e coringando o pano, sei que ando em dois mundos Com os mesmos pés O mesmo espírito A mesma alma E a mesma satisfação de ser