Creio que tal estilo musical colabora para que eu encontre as
palavras de maneira mais assertiva. Durante o outono, passo boa parte de meu
dia em meu laboratório. Chapo um fone em meus ouvidos e deixo que a melodia
conduza meus dedos. Acho que com o tempo tudo ganha um significado maior. Talvez,
por conta do momento, que não volta, tenho ideia de aproveitar meus dias como
se cada um deles fosse meu último. Hoje, em especial, saboreio um café e um
tanto de Chopin, ao instante em que me surpreendo voando pela melodia, enquanto
que o cursor corre como um cavalo alado sobre uma imensa planície e tem seu
próprio time. Em torpor, respiro
fundo, guardo o que devo e sigo com o que experimento em busca de mais uma
crônica. E o que sei que craveja meu sentir aqui e agora é a mais bela harmonia
que o dia de hoje poderia me dar.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...