Vi o
sinal de chuva no horizonte. Era um bom lugar para acampar e minha mochila
estava lotada de mantimentos. Estiquei a lona. Fiz fogo. Enchi um caneco com
água que colhi em um córrego intocado. Pendurei a rede e deitei. Havia um
pássaro que cantava no alto de uma paineira. Senti como se minha presença fosse
abençoada pela inteligência natural. Quando a água esquentou aproveitei para
fazer um café. Bolei um cigarro de palha e fiquei olhando a chegada da chuva. Os
pingos na lona pareciam música para meus ouvidos. Eu me sentia parte do
ecossistema que me rodeava. A minha mente estava em paz. E o meu coração
sossegado. Eu nunca tenho pressa. Afinal de contas, minha lona é minha casa. E o
mundo é um lugar imenso e cheio de lugares especiais para que a gente possa
repousar e renovar a alma.
Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo. Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas v...