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Acordo todo dia no mesmo mundo cão

Saio para levar o lixo até o contêiner. O tempo está carregado e vem mais chuva e mais desgraça e isso está me atormentando. Tem um vento frio que se parece com o que sopra no inverno. Alguns pássaros cantam ao tempo em que motoristas afoitos buzinam e gesticulam uns para os outros sempre que dois ou três carros se encontram em uma esquina. Logo vejo dois cães que me cercam e começam a latir. São os mesmos de todos os dias. Agora, manter os próprios cachorros na rua como se estivessem em área privada é o novo normal. Aliás, não aguento mais essa teoria de o novo normal para tudo, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo.

Em pouco tempo escuto rosnadas, olho firme para um deles e digo em alto e bom som: se tu te bobear vou ter de te chamar na pedra. O cão pressente que existe algo de diabólico comigo e hesita. Largo o lixo para dentro do contêiner e em dois segundos tenho quatro pedras em minhas mãos. O canino, incrédulo, ainda me olha e eu olho para ele. Lá pelas tantas vejo que o cachorro atravessa a rua e vai até a porta de uma oficina mecânica. Ele balança o rabo e olha para as janelas no alto do segundo andar.

Como sou humano, sei que tem um protótipo de humano na janela, o qual está ali, como quem me espreita, disfarçando sua covardia costumeira e sua vagabundice, porque no fundo, sabe que não deveria deixar seus cachorros na via pública. Ele não me diz nada. Eu mantenho a cara fechada e me fazendo de sonso que está sem paciência atravesso a rua em direção aos cães. Atiro as pedras no chão, ao lado da porta da oficina. Quero que o protótipo de humano tenha de recolher as pedras antes de abrir a sua espelunca.

Caminho a passos largos e tão logo entro em casa ponho álcool em gel em minhas mãos. Pois é, ainda não perdi o hábito que adquiri nos tempos de pandemia. Acendo um cigarro. Sento diante do computador e coloco um som do Carl Carlton, Baby I Need Your Loving, afinal de contas, tudo que me resta é dançar como um louco para esquecer as desgraças da vida e a bundamolice de um filho da puta.

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